12.12.17

ANGÚSTIA DE SUSTENTAR UMA ANÁLISE


A psicanálise é para todo ser humano que excede, que transborda os próprios limites e, numa obsessão desmedida, o limite do outro. O amor e desejo estão presentes nessa disputa de amor e ódio. Ama-se e odeia-se o mesmo objeto de desejo. 

A obviedade de se ouvir muito sobre amor na análise às voltas do ódio, do ressentimento, da amargura são próprio da singularidade de viver tal amor rodeado de sofrimento que antecede o presente. Trata-se de um passado que ainda persiste em se desenhar no presente, pulsante [...] vivo. Que atuará como um superego invejoso diante das novas configurações afetivas.

Não há uma receita que possa autorizar o sujeito a se haver com seus sofrimentos, eliminando-os de forma permanente.  A angústia de uma análise é construir [sem recurso nenhum] algo a partir de uma perda. É deixar de sustentar um ideal para redescobrir novos meios para se reinventar.

A angústia é um sentimento intenso e muito presente no trabalho analítico. O osso é duro de ser roído, por estar diante da impossibilidade de ser possível ser feito algo a respeito. No entanto, é atravessado pelo acolhimento da escuta do analista que o analisante sente-se o mínimo de segurança possível para encontrar em seus próprios insights ferramentas que o possibilite a ultrapassar os semblantes que o impedem de se constituir como singular.

O preço que se paga na análise não é o valor investido nela, mas trata-se mais, ainda. Os efeitos de uma sessão analítica podem durar dias, semanas e meses. A psicanálise implica que o sujeito se responsabilize por seu sofrimento, por sua escolha, por como deseja gozar. Se dá conta ou não do que se propõe. Se é viável ou não.

A análise psicanalítica é viajar diante do mar aberto com uma única ferramenta: a bússola. E saber utilizá-la é o que fará toda a diferença frente ao acaso e surpresas que esperam por cada sujeito em sua singularidade.

Pode-se planejar muito, mas é preciso saber que existe uma força que rompe planos, trajetórias e devastam ideias. É a partir da devastação que a vida dá autonomia para o sujeito se reinventar. Por isso, não se prenda aos ideais culturais, convencionais e conservadores.

Há dois caminhos na vida. Ser irresponsável com o próprio desejo e inconsciente, gozando de forma desastrosa ou ser responsável com o seu desejo e inconsciente, percorrendo um caminho que beira a loucura, ao desespero e angústia. Mas que o leva cada vez mais próximo do que possa ser o seu destino, com uma forma singular de contribuir com ele.


3.12.17

CRESCER


Que sentimento estranho que é intuir que se está crescendo. Há inúmeras formar de evitar a inundação do crescimento. Talvez, o mais comum, seja seguir o fluxo sem se questionar sobre o percurso que vai se mostrando em milésimo de segundo.

A vida é apostar tudo numa ideia que inspira, que dá fôlego à esperança, saboreando o gosto agridoce da angústia de perder tudo. Freud em Mal-Estar na civilização já desenhava uma ideia do quão é difícil compreender a própria dinâmica para os que foram um pensamento bem refletido e gerado às volta do amor e o quão mais, ainda é para os que foram um pensamento mau refletido e pensado às voltas da pressa e insegurança. 

Crescer é insistir, recordar, repetir até chegar ao entendimento de uma molécula da elaboração que convoca ao crescimento. O processo é de longo prazo e experiências, que nutrem e constituem um saber a respeito de nós mesmos.

25.11.17

NA SUPERVISÃO PSICANALÍTICA O QUE NOS INTERROGA?


Em psicanálise, o analista tende a estar sempre numa posição de falta em seu percurso de formação, esse movimento promove a construção de um saber junto ao seu analisante. Há sempre algo que interroga o sujeito que assume a posição de analista, é de grande importância que assim seja, para que a supervisão tenha efeitos na análise dos seus analisantes.

A posição de analista só pode ser ocupada, quando autorizada por ele mesmo, desde que esteja em dia com o tripé da formação que Freud (1912) no texto “RECOMENDAÇÕES AOS MÉDICOS QUE PRATICA A PSICANÁLISE”, orienta: análise pessoal, estudo teórico e supervisão. 

Na graduação em Psicologia é muito comum aos ingressantes a interrogação a respeito da teoria, pratica e/ou condução de uma psicoterapia às voltas da psicanálise. Uma preocupação equivocada, visto que não se aprende nada nas universidades, a psicanálise não existe e não é possível nesse universo. No máximo, o que se aprende nas universidades está na ordem de sua história, teoria e discurso do que se trata o saber da Psicanálise. A transmissão da Psicanálise só é possível na experiência do dispositivo analítico.

O psicanalista Sesarino comenta que a diferença entre a ciência e a psicanálise é que a primeira está na ordem do experimento e a segunda da experiência. Nas universidades não pode ser ensinado uma experiência, por isso tanta inaptidão ao conduzir transferência, que acaba por tornar um processo duro de ser experimentado para àquele que nunca ocupou o lugar de analisante.

Entretanto, em seu texto “OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL” (1915[1914]), Freud menciona que:
Cada iniciante na Psicanálise por certo teme, de início, as dificuldades que lhe apresentarão a interpretação daquilo que ocorre [Einfälle] ao paciente e a tarefa da reprodução do recalcado. [...] as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência. 
Freud se preocupou muito com a transmissão da Psicanálise e sua prática, por existir uma ética [o analista precisa levar até as últimas consequências a experiência de sua análise] no que constitui a singularidade da experiência psicanalítica. Neste percurso, a passagem da teoria à experiência, propõe que todos que busquem se orientar pela psicanálise [orientado por sua ética], estejam em liberdade para errar e aprender com a experiência a fazer melhor. 

Entretanto, é importante e necessário que aquele que deseja se haver com a psicanálise esteja sabido desde o princípio que esse percurso não oferece respostas ou caminhos prontos. A experiência que a Psicanálise promove está na ordem da interrogação ao que atravessa a vida na singularidade do sujeito que está em processo de análise, principalmente a do sujeito do analista.

Quem quer aprender e saber psicanálise em sua essência, só através da experiência de se deitar no divã, ingressar uma análise que o conduzirá a um saber subjetivo que oferecerá algo que ultrapassa qualquer saber teórico. Somente o sujeito que leva sua análise às últimas consequências poderá chegar o mais próximo do saber psicanalítico.

A universidade autoriza o sujeito a exercer a psicoterapia, mas não uma psicanálise. A psicologia está a milhas de distância da psicanálise. Em acordo com o psicanalista Sesarino, o sujeito pode fazer mestrado e doutorado em psicanálise, mas nada disso torna alguém psicanalista, isso tudo são conjuntos de informações, que não serve para nada, no sentido de transmissão da psicanálise.

Não se é analista sozinho, é preciso que haja outros analistas para sustentar o lugar de analista diante da dor de existir do analisante [e, sem dúvida, do analista também]. Wilfred R. Bion (2016[1997]) em texto “Sem título” do livro Domesticando Pensamentos Selvagens, recomenda:
“É importante que o embrio-analista, o candidato, possa ousar usar sua imaginação e a articulá-la numa supervisão. Esta é uma das razões do porquê eu considero uma supervisão como sendo possivelmente valiosa: se pelo menos aqueles que me procuram ousem dizer que pensam, e usem esta ocasião como forma de se exercitarem na articulação daquilo que pensam, através da terminologia verbal, ou qualquer outra que descubram, eu já me dou por feliz” (Bion 2016[1997]).
A experiência de supervisão oferece ao analista que algo de sua clínica o interrogue, atravessado por seu discurso consciente dos seus casos [ que em questão, não está nos casos de seus pacientes, mas no próprio tratamento], é através do que causa o analisante que atinge o analista no momento de análise, ao nível de relação transferencial, provoca desdobramentos na própria analise do supervisionando, que produzirá efeito de formação. 

Por este motivo e, por tanto outros, que é indiscutível estar em dia com o tripé descrito por Sigmund Freud nas suas recomendações aos que praticam a Psicanálise. Só é possível saber de psicanálise atravessado pela experiência, do contrário só se faz possível conhecer o que seja psicanálise, nunca os seus efeitos no cotidiano do ser humano.

A ética na psicanálise se transcreve na análise pessoal, conhecimento teórico e supervisão. Se pretende praticar psicanálise, é imprescindível que arque com o osso de levar até as últimas consequências o pilar que sustenta o lugar que ocupa o analista.


Maicon Vijarva
Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica
Snapchat Instagram @acuradefreud

16.11.17

DA CULPA A RESPONSABILIDADE: UM MANEJO DE re-INVENÇÃO


A psicanálise é o avesso do politicamente correto e trabalha no inverso do discurso cientifico preguiçoso da psiquiatria contemporânea, que não se esforça em captar a singularidade no discurso do sujeito no século XXI, “limitando-se a classificar as doenças com base em uma classificação sumária de sofrimentos” (Forbes, 2012).

A clareza sobre este aspecto se torna nítida, quando os supostos “mestres” que [acreditam estar sendo] conduzidos pela "ética", deveriam oferecer um ambiente propicio à expansão do pensar a cerca do sujeito e seus sintomas. No entanto, trazem uma prática que reduz o ser humano ao manual das classificações de seus sofrimentos, que impregna na personalidade do doente dos nervos, como rótulos, que serão difíceis de serem reparados no trabalho de análise [se conseguir pisar num setting analítico] os danos causados na vida psíquica e física do sujeito.

O percurso que a psicanálise oferece, convoca o sujeito do inconsciente a transformar sua culpa, convidando-o a se responsabilizar por sua existência. Não é algo simples, se responsabilizar é algo doloroso, que demanda muito mais que abandonar a irresponsabilizabilidade. O campo da psicanálise não se satisfaz mais com o enredo vertical do Complexo de Édipo, essa estrutura ainda é muito importante, mas o sujeito no século XXI vive um outro momento, que é o de ultrapassar os pais. Trata-se de re-escrever as repetições do passado com um ar que beira a imobilidade.

A contemporaneidade deseja a elaboração de uma saber sob a subjetividade de sua época. Entre infinitas opções, saber identificar o que realmente oferece ao seu percurso, a possibilidade de ir ao encontro do pensamento que o antecede, e a partir desse encontro re-escrever algo novo com a estrutura do passado.

Para que isso se desenhe no real, é preciso escapar e ultrapassar o lugar que esse semblante organiza sob a forma de um discurso impositivo dos manuais de sofrimento. Recorrendo aos escritos de Clarice Lispector, em seu livro "A hora das estrelas", é possível interpretar em seus escritos que não há palavra que possa nomear o que desestrutura o sujeito e, tampouco, há um manual dos sofrimentos será capaz entender o que se passa dentro do ser humano.

Jean-Claude Maleval em seu livro "O autista e sua voz (2017)", leitura importantíssima ao meu ver,  por desconstruir qualquer saber sobre o sujeito e, em especial,  autista. Traz uma expansão do pensar a respeito deste sujeito e sua subjetividade. Maleval de imediato nos provoca a questionar os semblantes que nos são apresentados, numa tentativa de pensar à luz do olhar de fora, para que seja possível ultrapassá-lo.
Procurando reduzir o sujeito ao seu corpo, a psiquiatria hoje lhe confisca a competência no que se refere ao conhecimento dos seus transtornos (Maleval, 2017).
A ignorância da estrutura que nos constitui, serve de ferramentas para o Outro [seja o imaginado por nós, em forma de superego, ou o outro real], manipular a sua maneira, como algo estranho, disforme e incapacitado para servir aos ideais da sociedade. O sujeito autista tem muito a falar, a ensinar. Bem como qualquer outro sujeito que apresenta um transtorno. A especie humana tem a tendência a dar nome para o que não conheça, por ser incapaz de lidar com o que não está visível à compreensão. É preciso dar nome para falar sobre "isso". Já para Bion em "Seminários Italianos (2017)", é preciso ser muito corajoso para se colocar no lugar de ignorante frente ao outro. 

Para saber algo sobre alguém, é preciso sentir a angústia de nada saber sobre. Capacidade que continua a ser ocultada, por medo de ocupar o lugar de ignorância. Ser analista é justamente aprender a lidar com o não-saber de si mesmo, oferecendo possibilidades para que se possa apreender com o não-saber a saber algo sobre si e, só assim, saber algo sobre alguém a partir do lugar de ignorância. A única coisa que Eu sabe é que nada sabe. Assim sendo, o ser humano cria sintomas para não lidar com o vazio angustiante que a ignorância oferecer. Não saber é, em essência, o mesmo que impotência e descontrole.

29.10.17

DA ESCRITA À FALA: DESATAR PARA NÃO ADOECER




É difícil ultrapassar um pensamento que antecede à nós mesmos. Com certa frequência, nos debatemos na dor de existir, sem tomar qualquer atitude. O sujeito rende-se ao que lhe assegura [mesmo que imaginariamente], num trabalho braçal de criar meios de controle sobre à vida.

Planeja sua morte, onde repousar seu corpo sem vida e o que deixar para quem fica. O medo não é de deixar desprotegido os que ficam, mas de não ser lembrado por estes. Quer-se moldurar-se-a-si-mesmo, para que possa ser sempre lembrado. Mas a vida não pode ser captada pelas lentes de uma câmera, com a perfeição da psique humana. Retratos podem ser quebrados, fotos podem ser rasgadas, mas não há nada que possa apagar o que se inscreveu e se inscreve em nós.

O sujeito é denunciado pelo inconsciente através dos detalhes, pelas bordas da ação. Entre as palavras do poema, da poesia, do roteiro de um teatro, de um texto curto ao longo, da curta ou longa frase dita, do discurso menos elaborado ao erudito. Ele sempre nos atravessa. Somos inocentes em acreditar que podemos ter algum domínio sobre nós mesmos.  O inconsciente é uma força que nos governa.

É nitidamente possível se habituar a viver mal, pela impossibilidade de tomar as rédeas da própria vida. Mas é possível se reinventar diante desse impossível que é desenhado pelo inconsciente. A arte em suas infinitas faces, nos apresenta um movimento de criatividade frente ao acaso e a surpresa da vida.

Mas também existe a psicanálise, que nos propõe a ideia de movimento, oferecendo um lugar para que o sujeito trabalhe duro para criar um saber a respeito de si mesmo e, assim, poder dar cor a sua existência no real e fazer as pazes com esta força selvagem, pode se haver e se responsabilizar com o que lhe impede de caminhar.

A única maneira de viver no real é se reinventando atravessado pela fantasia. Na fantasia o sujeito dá cor ao real. É preciso saber o que dói, para que se possa entender do que se trata e aprender a fazer algo com esse sentimento. É repetindo que se constrói um saber. É preciso pensar a respeito do que nos causa, para que seja possível ser criativo e não arriscar a ser iludido por algo que nos petrifica e nos deixe à mercê do destino.

O sujeito escreve para compreender o que lhe habita, fala para poder se ouvir e construir meios para fazer algo novo com o antigo que se repete. Em ambos os tempos criativos [escrita e fala], faz-se necessário que exista um Outro humano [ignorante das certas] que possa ler e ouvir. É pelas vias do amor que se faz possível [re]pensar e [re]organizar o que não funciona em nós mesmos.

O sujeito passa a vida se concentrando no que funciona, tolerando a desordem que lhe habita. Fracassa-se na vida na vã tentativa de planejar a proteção uns dos outros e a de si mesmo. O medo que se cultiva não é do que se perde, mas do que ainda há de se perder pelo caminho.

Que atravessados pela arte, literatura e psicanálise não percamos a sensibilidade, a capacidade de se emocionar e de se permitir ser tocado pelo sofrimento do outro. Na simplicidade se desnuda qualquer que seja a estrutura intelectual mais sofisticada da palavra. Para se aproximar do que se pode compreender de natureza selvagem do ser humano, é necessário que nos desarmemos para desenvolver uma escuta que torne possível acessar [pelo discurso oculto] a estrutura que o analisante denúncia. 

Maicon Vijarva
Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica
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26.10.17

ENTRE O CERTO E O ERRADO, EXPERIMENTE VIVER

Artista EDUARDO-BERLINER, obra ROSTO
A vida é selvagem e doce, a sua medida. Mas, nunca agridoce. Para ela não existe meio termo, é tudo ou nada. Viver é apostar tudo [mesmo quando não se tenha nada], por isso temos tanto medo de estar fazendo tudo errado.

Não há remédio que dê conta dessa rasura que se traduz muitas vezes em vazio, produtora de um medo de estar a fazer de modo errado, mas com certa porcentagem de intuição de estar no caminho que aponta para uma realização que está mais, mais ainda além do que podemos descrever em palavras.

Viver em outros tempos, quando não se havia nada, tinha um peso caro para o sujeito. Mas, o que pesa mais para o sujeito do século XXI é estar diante de um horizonte de infinitas possibilidades e com a difícil tarefa de escolher o que fazer.

O moderno nos convoca a escolher entre o prazer do gozo e o caminho árduo que está escrito em nós [estrutura que se constituiu nosso inconsciente], que infinitamente nos leva a produz [repetições] sem nosso consenso.

É possível lutar no terreno do impossível, mas é preciso conhecer o mínimo e, mais ainda, das ferramentas que nos utilizaremos para pintar nosso percurso. Entre o certo e o errado, experimente viver.

Maicon Vijarva
Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica
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11.10.17

PSICANÁLISE: UM ATO DE MOVIMENTO


 “a Psicanálise é uma terapêutica, a da neurose, e é ao mesmo tempo uma teoria psicológica, uma teoria geral da natureza humana e especificamente da existência do inconsciente e das manifestações deste em sonhos, sintomas, no caráter e em todas as produções simbólicas" (Erich Fromm,1969).

A psicanálise é um movimento de tratamento elaborado por Sigmund Freud, através de estudos sobre o sujeito de sua época, que apontou ao seu criador o caminho para a descoberta do inconsciente. O tratamento analítico, em sua constante descoberta de novos elementos, está na escuta investigativa do discurso [entre o real e a fantasia] do sujeito em seu sofrimento psíquico.

Essencialmente é uma teoria que se propõe estar junto com o sujeito do inconsciente em seu percurso na elaboração de um saber a respeito da estrutura que o constitui.  Faz necessário trazer em alto relevo, que negar o sofrimento psíquico ou realocá-lo não basta para extinguir seus sinthomas.

A dinâmica do que causa o sujeito oferece à psicanálise elementos para pensar o que constitui o sujeito. Na análise com crianças e adolescentes, o dinamismo está em percorrer o que há no saber desses sujeitos e como ele está se constituindo. De acordo com Françoise Dolto, “as crianças são os sintomas dos pais”.

O que nos aponta a pensar o contexto familiar e que nele, estrutura um saber inconsciente para cada membro que o compõe. A escuta analítica ouve o que falta ao sujeito e, mais ainda, o que ele fez/faz com o que lhe falta. O nome recebido pelo sujeito, o seu lugar no desejo dos pais, a dinâmica que o constitui nessa família, o estágio que vivenciava em seu desenvolvimento quando certos eventos ocorreram, a relação com a função paterna, – entre outros elementos – são reveladores na elaboração do pensar a posição o sujeito se coloca frente ao outro e aos acontecimentos da vida. A psicanalista lacaniana Flávia Albuquerque (2011), 
“a partir destes detalhes, o sujeito constrói um certo ‘discurso inconsciente’. Discurso este que o analista está apto a escutar e desenvolver, em forma de interpretações, ao sujeito que busca. A escolha da profissão, dos parceiros amorosos e decisões tomadas estão intimamente ligadas a todo este contexto”.
A autora levanta uma questão importante, quando direcionamos para a pergunta de quanto tempo dura uma análise. A psicanálise apresenta um percurso de tratamento longo, por oferecer a possibilidade de pensar o que causa o sujeito frente o desenrolar da vida. Para Flávia Albuquerque, uma análise levada ao pé da letra é um osso duro de se roer, mas o que não quer dizer que os seus efeitos sejam morosos.

Entrar em análise, não isenta o sujeito das repetições que o estrutura até o momento da busca por tratamento, tampouco, tantos outros acontecimentos que virão a ser importantes de ser trabalhados. Para além disso, existe uma outra questão que borbulha os sujeitos que buscam à análise. O valor do investimento. Muitos pensam que o valor das sessões em psicanálise seja caro. Sim, pode até ser.

Mario Sérgio Cortella, faz a consideração de que caro é aquilo que não tem valor, que não vale o que se paga. Para Flávia Albuquerque, a psicanálise ser um tratamento cara, não significa que o menos favorecido não possa se submeter a uma análise. O que nos revela que a análise é cara para cada um à sua maneira.

Aquele que arrisca e aposta tudo em sua análise, é um sujeito que ousa ao trabalho árduo de se propor à questionamentos sobre a relação consigo mesmo e com o outro. É impossível atravessa a vida ileso de sofrimento, porque na vida é preciso se reinventar e conviver da melhor forma possível com as causas da dor de existir.

Ao se submeter a uma análise bem conduzida, o sujeito é informado pelo analista sobre a existência e funcionamento do inconsciente que o estrutura, esse ato proporciona ao sujeito um movimento de transformação ante a vida. Os efeitos de uma análise é subjetivo, não existe um saber uniforme [na psicanálise] que dê conta de padronizar um método, pela ética de que cada sujeito é único em sua maneira de existir no mundo.

Referências
ALBUQUERQUE, Flavia - Afinal, o que é psicanálise? (2011) Link:  https://goo.gl/cdJrGc
FROMM, Erich – A missão de Freud, 1969. Rio de Janeiro, Editora Zahar.

20.9.17

DESAMPARO DE SI MESMO


A responsabilidade com o percurso que se desenha é, em parcial, exclusividade do sujeito do inconsciente. Sujeito que se responsabiliza pelo acaso e surpresa que o seu inconsciente aponta perante o desejo. Dedicação é algo que pouco se ambiciona refletir, ainda mais quando não existe ganho em curto prazo. 

Neste limite, em que o desejo e o gozo disputam a representatividade do sujeito, dedicar-se ao outro, enquanto o Ego se faz em pedaços até pouco sobrar dele, é fugir a responsabilidade. Há quem diga que se dedicar totalmente ao outro seja amor, quiçá seja a forma mais simplista de articular que pouco [ou nada] se investe no amar a si mesmo. O desamparo de si mesmo torna-se a energia de viver para o outro, apelidando essa experiência de amor.

O aspecto econômico da psique, o quantum de energia libidinal que estrutura o movimento que aponta à força selvagem que duela entre amor e desamor, esboça uma pintura de que quanto mais o sujeito investe o seu desejo no desejo do outro, mais à mercê do investimento fica o seu desejo no passado. No experimento da paixão, o sujeito direciona toda sua energia psíquica ao endeusar o Outro a ponto de alocar a si mesmo em segundo plano.

A rigor da incapacidade de se responsabilizar por seu percurso, o sujeito é capaz de lidar com o impossível, até mesmo desconstruir a estrutura do seu discurso de que jamais faria algo que repudia. Na lei rigorosa de evitar o caos de olhar para o que lhe causa, o sujeito projeta no externo o que acredita ser fonte da energia de sua existência. 

O sujeito ao articular do lugar de dependência a ponto de realocar toda sua energia libidinal na dedicação de algo externo, assume a responsabilidade de beijar a morte, a conta gotas, do seu desejo.  O mais próximo que podemos chegar à conclusão deste texto, a narrativa do sujeito que narra um discurso de que muito se ama ao se colocar à disposição do outro, está retratando uma pintura esquizofrênica de que é incapaz de amar a si mesmo, de olhar para o que lhe causa, de seguir um percurso que não há garantia senão a de sustentar até as últimas consequências o que aponta para realização do seu destino: o desejo.


Abraço, 
Maicon Vijarva

3.8.17

CAMINHOS E PERCALÇOS DO CORPO: SUJEITO DO DESEJO EM MOVIMENTO

Dance II - Henri Matisse - 1910

A técnica e a expressividade são questões muito intrínsecas aos debates em dança. Embora exista ainda a tendência em considerar a dança um movimento direto e espontâneo de manifestação das emoções no intenso e árduo da elaboração/criação para aproximar-se à expressão de sentimentos e afetos pela dança.

Nesse processo de elaboração dos movimentos, equivale ao despertar para realidade, para encontrar uma forma de transformar a angústia imobilizadora em criativa; a rigidez em flexibilidade; a moral da necessidade em ética do desejo, através do movimento do corpo em dança.

A pulsão de vida e de morte estão intrínsecas nesse processo de elaboração do suposto corpo que se enxerga antes, durante e após a dança. Freud (1906-1909) descreve que tanto a arte e a literatura moderna se ocupam predominantemente dos mais delicados problemas, que envolvem todas as paixões, que encorajam a sensualidade e a ânsia do prazer, o desprezo de todos os princípios éticos e todos os ideais. Elas apresentam ao espírito do leitor figuras patológicas, problemas psicopático-sexuais, revolucionários e outros mais, nossos ouvidos são estimulados e superexcitados por uma música ministrada em grandes doses, importuna e ruidosa. 

A arte é uma possibilidade de expor o que somos de forma menos caótica ao outro. Através da sublimação¹ o sujeito pode pela dança canalizar seus instintos à margem do padrão social, para um movimento que traz uma linguagem que transmite uma reflexão para quem está observando, faminto por algo que capture todos seus sentidos, excitando e desnudando à alma.

O lugar que o texto propõe sustentar é a questão psíquica da imagem corporal no autoconhecimento pelo corpo, que é submetida à transformação/elaboração do não-dito, que se expressa pela associação livre da palavra e do não-corpo, que se inscreve, escreve e descreve em sua temporalidade e no espaço através de movimentos muitas vezes sutis à distração.

Recorrer à psicanálise é importante para investigação de passagens que não minimizem a condição fundante da imagem que se tem de si mesmo e refletir a respeito de um corpo diante à dualidade em que está submetido: o espelho matéria e espelho do olhar do outro, que demarca uma limitação real do corpo-movimento que se vê e é visto. 
“Sem ter como se esconder frente ao imperativo dos movimentos corporais escancarados no campo de visão de quem dança e de quem ensina dança, o corpo não consegue trapacear, ele é seu início e próprio limite”, Braga (2014). 

Deste modo, este texto busca refletir a linguagem do corpo não-dito ao corpo que se diz em dança sob à luz do olhar psicanalítico, um movimento de estranhamento sobre esse corpo que se constrói, descontrói e ressignificar na trama cotidiana das relações com o outro, na tentativa sustentar a ética do seu desejo.

A linguagem tornar-se-á espaço para reflexão sobre o corpo como uma possibilidade de sublimação dos instintos humano, para produção do fazer artístico em dança, que aborda a expressão da imagem do corpo na dança a partir de uma leitura psicanalítica, ao considerar que os corpos se lançam em movimentos por não poderem se dizer única e suficientemente em palavras, desenhando, assim, trajetória no espaço. 

No terreno da arte e da vida, em que há muito para falar, mas, muitas vezes, não existem vocábulos que possam sustentar o que o corpo deseja exprimir, a dança apresenta-se como alternativa para expurgar pela via da expressão, conhecimento e reconhecimento de si próprio e do outro. O que traz movimento ao corpo que dança e ao sujeito que se escreve, inscreve e descreve em sua temporalidade e no espaço?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, Sigmund (1906-1909). Obras completas, vol. 8: O delírio e os sonhos na Gradiva, Análise da fobia de um garoto de cinco anos e outros textos; trad. Paulo César de Souza – 1 ed. – São Paulo.
BRAGA, Cristina Santaella (2014). Psicanálise, Dança e Educação: Caminhos e percalços.
VIJARVA, Maicon (2017).  A Nova Dinâmica do Eterno: Sujeito do Real ao Virtual (Clique aqui).
FORBES, Jorge. Artigo publicado na Revista Psique - número 51, março 2010 Link direto do site do autor: (Clique aqui).
________________________
¹ Sublimação: processo em que a energia ou impulso sexual (libido) é direcionada para atividades com valor social aceitável.

1.6.17

A VIDA É SEMPRE UMA APOSTA




Apostar é um risco, uma ideia que percorre o corpo e que escorre pelos dedos das mãos sem sequer dar tempo de preencher a falta que deixa em nosso corpo. Por não existir garantias, o sujeito fica a benefício da esperança [do verbo esperançar], que significa sustentar o desejo produzindo o movimento de si mesmo para tornar o desejo possível de realização.

Mas para ganhar é preciso que o sujeito seja [ousado e valente], ousado para continuar a desejar e valente para aprender a perder e ser o mínimo possível criativo em presença do vazio que o sentimento de perda promove. Aprender a perder só pode ser possível pelo viés da experiência, que quando nos atravessa faz tornar possível compreender e significar o que representa esse percurso a nós sujeitos do inconsciente.

Infelizmente [ou de maneira feliz], o sujeito tem de haver com o que lhe causa: mesmo que “escolha” viver pela ilusão. O método que os livros de “autoajuda” se propõem, só pode ajudar o próprio escritor que oferece o método, que traz o ganho das cifras em sua conta bancária. Há teóricos que “ensinam” o [treinamento da mente] para condicionar o sujeito, de maneira alienada [politicamente correta], a se encaixar numa sociedade que está doente dos nervos.

O sujeito insiste em querer criar um método que possa domar a mente, que é uma tarefa que beira o abismo de tão impossível, entre mente e corpo existe o inconsciente que conduz de maneira selvagem o sujeito e que jamais pode ser domado. Podemos aprender a sermos gentis e amáveis para fazer as pazes com ele e assim viver o mais próximo do que “chamamos” de harmonia.

Métodos de treinamento e condicionamento da mente pode até perdurar por algum período, mas devo alertar que o sujeito sedento por ser desejado é incapaz de sustenta o desejo do outro por muito tempo. O inconsciente é indomável e cobra um alto preço aquém o desafia.

Sustentar o desejo de transformação [independente de sua causa] deve surgir do próprio sujeito do inconsciente. Por isso é pontual a importância de sustentar vínculos que sejam saudáveis ao aparelho psíquico, uma vez que, basta à existência do inconsciente do sujeito que se defende do seu desejo, gerando um movimento que vai sempre contra e não a favor da realização deste desejo.

Se conselho fosse bom, vendia-se. Por assim dizer, faço sugestivo que corra o risco, aposte em sua análise pessoal. Aposte na sua vida. O preço mais alto a ser pago é aprender a perder, a se responsabilizar por seu percurso. Um grande e duro osso a se roer.



Maicon Vijarva
Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica
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29.5.17

A NOVA DINÂMICA DO ETERNO: SUJEITO DO REAL AO VIRTUAL


A expansão da capacidade mental do sujeito é povoada de desconfortos, que está intimamente ligada aos vínculos de amor e ódio com o outro, seja familiar ou social. O processo dinâmico de conhecer a si próprio e se autorizar a mudar de posição subjetiva para produzir uma nova visão expansiva estão subordinados à capacidade de tolerar frustrações frente ao que se planejou para vida.

Esse furo que a frustração submete o sujeito do real ganha um estranhamento individual na nova dinâmica do virtual: o desejo de sustar sua existência na eternidade. Na incapacidade de o sujeito lidar com a falta nasce o estilo hikikomori, nova maneira de vida que tem ganhado inúmeros simpatizantes na pós-modernidade.

A terminologia de origem japonesa desenha certo comportamento de extremo isolamento doméstico por pessoas geralmente jovens, que optam por se excluir da cena social, de modo a evitar ao máximo o contato físico com o próximo.

A busca por tornar-se a si mesmo, ou seja, chegar ao mais próximo possível do nosso íntimo, passa a ser obsoleta. Inicia-se o laço virtual terminável e interminável com o real, o sujeito se contrai e se constrói em si mesmo e com isso é incapaz de perceber a sua degradação e, consequentemente, a do Outro.

A tarefa de aprender a tolerar os desconfortos e o que há de mais doloroso na vida se faz impossível com os hábitos hikikomori, que proporciona ao sujeito uma patologia semiótica de se colocar no lugar de eterno no mundo através da ópt. virtual, que não deixa de estar em constante comunicação com o real, porém corroendo o mínimo possível de esperança de ligamento afetivo de 1+1.

Pelo caminho da escrita, o axioma até aqui nos permite pensar as inovações de se colocar no mundo frente às novas ferramentas que autoriza o sujeito a se pôr num outro lugar que o permeia na finitude da relação de si mesmo +1. Frente a esse contexto o sujeito de ontem, por viver em uma órbita padrão, sabia onde aspirava chegar, guiado por seu questionamento sobre o que lhe acorrentava a sua vida, ao projetar luz em seu passado.  

Quando “inicia-se uma nova configuração do laço social: a globalização privilegia a horizontalidade sobre a verticalidade constituindo uma sociedade de rede, muito distinta da piramidal da qual nos afastamos no decorrer da construção do corpo do sujeito na história (Forbes, 2010).

O que reafirma que o sujeito atual, mais que do passado está interessado em saber além do mesmo, está velado em seu futuro. Saber como escrever e sustentar sua honra na imensidão do eterno. A pergunta que hoje o sujeito faz a si mesmo não é mais “o que impede de chegar a um objetivo, pois o problema, quando se quebram os padrões, é saber qual é o seu objetivo entre as inúmeras possibilidades, fato que traz o furo do estranhamento da angústia” (Forbes, 2010).

O real no virtual hipoteticamente esteja no defrontar com a impossibilidade de tudo saber ante ao qual só sobra a possibilidade de inventar uma solução e assumir o risco do seu desejo, em que o sujeito precisará descobrir uma forma de transformar a rigidez em flexibilidade; a angústia que o imobiliza em criatividade; a moral da necessidade em ética do desejo.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- FORBES, Jorge. Artigo publicado na Revista Psique - número 51, março 2010 Link direto do site do autor: (http://www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/Voce-esta-em-analise.html).

26.4.17

SOBRE PULSÃO SEXUAL E VIDA SOCIAL


A pulsão sexual foi a primeira subversão freudiana, citada no artigo MORAL SEXUAL ‘CIVILIZADA’ E DOENÇA NERVOSA MODERNA (1908). Nele, Freud utiliza-se de um elemento fundamental, abordado em sua obra anterior, TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE (1905), para sustentar a distinção conceitual entre instinto e pulsão. Segundo Coutinho (2013), “trata-se da falta de conexão unívoca, na sexualidade humana, entre a pulsão e a atividade reprodutora, que constitui a dimensão essencialmente autoerótica da pulsão”.

O que podemos confirmar em Freud (1908): “perspectivas mais amplas se abrem quando consideramos o fato de que a pulsão sexual do ser humano não está em sua origem a serviço da reprodução, mas sim que tem como meta determinadas variedades de obtenção de prazer”. A realidade contemporânea revela uma sociedade que está vivendo uma época de repressão da pulsão sexual, em que o sujeito sente culpa em investir sua energia sexual em algo que fuja do ideal social, do consumo desorientado.

Ao reprimir o desejo ligado ao cunho sexual – pensemos aqui para além do prazer centrado na área genital –, citado por Freud (1905) em TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE, que descreve o movimento do sujeito para se vincular ao outro se estrutura a partir da pulsão sexual, numa tentativa de desenvolver sua subjetividade em conjunto de +1, ou seja, entre o sujeito e o outro.
Em sua reflexão da teoria da sexualidade, o pai da psicanálise instaura um corte conceitual, nomeado de pulsão, sendo uma concepção dualística de vida e de morte, que sustenta um mecanismo de movimento do sujeito, inato a sua existência. Freud (1920) descreve as pulsões sexuais de forma simples e com uma amplitude atemporal:

As pulsões de vida [leia-se: pulsões sexuais] têm muito mais contato com nossa percepção interna, surgem rompendo a paz e constantemente produzindo tensões cujo alívio é sentido como prazer, ao passo que as pulsões de morte parecem efetuar seu trabalho discretamente. O princípio de prazer parece, na realidade, servir às pulsões de morte (Freud, 1920).

O conceito freudiano nos leva à expansão de que sob o domínio da moral sexual cultural, a saúde e a capacidade vital do indivíduo seriam fragilizadas, e que seus ultrajes, causados pelos constantes sacrifícios a eles impostos, alcançariam um nível tão elevado que comprometeriam todo objetivo cultural final contemporâneo.

Sob esta perspectiva podemos perceber um crescente nervosismo moderno, fruto do desequilíbrio da relação entre a pulsão de vida e de morte, sobre o qual Freud já nos alertava em sua época, e agora, em passo acelerado, torna-se metástase na sociedade contemporânea. Tal circunstância faz antagonismo entre constituição e exigência cultural, causa dos sintomas do sujeito moderno.

A forte oposição de ideias constitui uma estrutura familiar em que todos os membros são doentes dos nervos, a velar o idealismo de ser mais do que podem ser pela sua origem. O desejo de ser robusto ao olhar do outro faz com que o indivíduo patriarca da família cobre dos seus filhos elevar-se a um alto nível cultural. Os desejos recalcados dos pais trazem à consciência a esperança de se realizarem através dos filhos.

Assim, a moderna vida civilizada causa de modo desenfreado uma ansiedade crescente. As exigências feitas à capacidade de luta pela sobrevivência aumentaram sensivelmente, utilizando as duas forças intelectuais, exclusivamente para sustentar essa existência: pulsão de vida, pulsão de morte.

Freud (1906-1909) complementa:

Ao mesmo tempo, as necessidades do indivíduo, as exigências de fruição da vida cresceram em todos os círculos, um luxo inaudito disseminou-se em camadas da população que antes o desconheciam; a ausência da religião, a insatisfação e a cobiça aumentaram em amplos círculos do povo; graças a comunicações, que atingiram crescimento incomensurável, graças às redes de fio do telégrafo e do telefone, que envolvem o mundo, as condições do comercio mudaram inteiramente: tudo se faz com pressa e agitação, a noite é utilizada para viajar, o dia, para os negócios, até mesmo as ‘viagens de lazer’ tornaram-se fadigantes para o sistema nervoso; grandes crises políticas, industriais e financeiras levam sua agitação a esferas da população bem mais amplas; tornou-se generalizada a participação na vida política: lutas políticas, religiosas e sociais, as lidas partidárias, as campanhas eleitorais, o desmesurado aumento das associações inflamam as mentes e obrigam os espíritos a envidar esforços sempre novos; a vida das grandes cidades tornou-se cada fez mais inquieta e refinada.

As investidas esquizofrênicas da sociedade são inúmeras, e levam os nervos exaustos em busca de recuperação em estímulos exacerbados, em prazeres bastante condimentados, entediando e estagnando o sujeito cada vez mais.

Freud (1906-1909) descreve ainda que as pulsões de vida e de morte estão tão intrínsecas no sujeito que o delírio se torna o seu mundo paralelo de refúgio. Tanto que a arte e a literatura moderna se ocupam predominantemente dos mais delicados problemas, que envolvem todas as paixões, que encorajam a sensualidade e a ânsia do prazer, o desprezo de todos os princípios éticos e todos os ideais. Elas apresentam ao espírito do leitor figuras patológicas, problemas psicopático-sexuais, revolucionários e outros mais, nossos ouvidos são estimulados e superexcitados por uma música ministrada em grandes doses, importuna e ruidosa.

A psicanálise faz alusão a uma série de perigos em nossa evolução cultural, e é possível expandir sempre mais a reflexão sobre ela a partir dos conceitos freudianos. São facilmente perceptíveis as estreitas relações que a doença nervosa tem com a vida moderna, como a desenfreada busca por dinheiro e posses e os tremendos progressos na área técnica, que tornaram ilusórios todos os empecilhos temporais e especiais às comunicações.

O modo de vida de inúmeras pessoas “civilizadas” apresenta, na contemporaneidade, uma quantidade de hábitos anti-higiênicos à alma. Tais hábitos fazem com que o sujeito se prive na intensidade dos seus sentimentos e, em alguns casos, perca a sensibilidade e a identificação do símbolo de cada sentimento. A doença dos nervos oferece um desequilíbrio do sujeito, em que os valores perdem o significado, confirma-se o desmerecimento com o próximo, a generosidade a cada dia vai se extinguindo diante do vazio.

Para que o sujeito possa reconhecer alguns sentimentos é imprescindível que seja tocado por emoções que o levem ao corte entre a rigidez externa e interna, para que possa revelar a sua causa, sintomas. São nos momentos mais miseráveis que o sujeito reaprende a valorizar, respeitar e sentir compaixão por si mesmo e pelo outro.

As reflexões aqui são um ensaio de expansão do pensamento, não um saber absoluto. O intuito é transmitir um efeito/causa que desperte o corpo para o movimento do pensar o que não está em harmonia, interna e externa, do sujeito contemporâneo.


20.3.17

A TEMPORALIDADE DO CORPO


Em algum momento do tempo, em análise, acabamos nos perdendo do tempo. Talvez, seja por aproximar o corpo do ambiente ao corpo do sujeito que ali se descobre. O relógio antiquadamente misterioso preserva o sujeito do tempo cronológico e dá uma possibilidade outra de existência. Mas há um além, existe o tempo que se observa atentamente cada detalhe que se mostra aos olhos, das formas em que o corpo se posiciona em um ambiente estranho, no entanto de um aspecto quase que comum, não fosse o cheiro e campo peculiar que apresenta.

Um espaço que por alguns minutos torna-se seu, que logo traiçoeiramente vem em mente uma voz que articula ‘mas há outros que usam esse espaço’. A curiosidade se instala em saber quem o são e quais razões o trazem aqui? Em passo acelerado o tempo passa. Não há quase tempo para pensar o que causa e acusa o sabor e dessabor da existência de nós mesmos.

Entrar em análise é um sacrifício de renuncia, tempo e paciência. 

Há o desejo de falar, mencionar cada detalhe do que passou e passa em nós e o quanto pesa o fardo. O outro alguém avisa que o tempo esgotou. Ainda perdido e pego de jeito pelo tempo, esbraveja um ‘poxa vida, quase não se falou o que precisava ser dito’. No achismo o sujeito pensa que a análise dura apenas os minutos do espaço em que habita dois corpos.

A análise percorre por algum tempo mais, como se pudesse dizer o que não pode ser dito. 

Quando o relógio pinta o tempo final da sessão, existe um espaço alucinado que desenha um suposto corpo do sujeito reflexivo por alguns minutos ou horas a mais após a sessão de análise. O sujeito vai se construindo a partir deste corte do seu tempo na sessão e passa a dar corpo às suas angústias e a pensar a si mesmo.  A temporalidade do corpo é uma estrutura organizada da causa que traz movimento à existência do sujeito que se escreve, inscreve e descreve antes, durante e depois da análise.

Abraço,
Maicon Vijarva