Descascar laranjas não constitui trabalho simples. Há necessidade de criatura arteira – arte de insistir em presença dos pequenos fracassos – em fazê-lo melhor e bem feito. É inoportuno conceber de qualquer jeito; há de se ter cuidado no improviso do manuseio de uma faca, para a circulação precisa nos movimentos dos cortes, caso seja por miséria de tempo.
Fitando o cuidado da mãe em descascar as laranjas e nos olhos suspensos num tempo outro daquele momento, o garoto com receio de tirá-la de si, questiona: para que tanto trabalho em arrancar as cascas de uma laranja? Suspensa no tempo, ainda que tivesse na alteridade daquele momento, ela volta em si e responde: aprendi com seu avô, ele gostava de ver as laranjas descascadas com cuidado, deixando o mínimo da brancura para protege-la.
Descercar laranjas não constitui trabalho simples. A brancura que se falava era o albedo: última “pele” que agasalha o interior da laranja. Interior coeficiente de reflexão, refletividade difusa ou poder de reflexão, camada fina o mínimo para servir bem a si mesmo, a família e as suas visitas. Assim também não seria nós, humanos, na constituição de laços consigo mesmo e com o outro?
Brancura de um véu albedo que protege, para que seja possível saborear o não-todo de uma coisa à outra, de um tu em mim, de um mim em tu, velados por um limite necessário para não se dissolver no todo – do outro? –; embora seja impossível. De uma maneira ou de outra, há sempre uma falha, um rasgo, um descuido no manuseio da faca no movimento do corte no coeficiente albedo de uma reflexão. O corte é inevitável, não há como fazer suturas nas vesículas interna de uma laranja, mas é possível aprender a saboreá-la com cuidado ao digeri-la. Assim não poderíamos ser na vida, mãe?
A mãe é acesa ao seu tempo e olha com mais carinho para o tempo de menina sonhadora na presença de um pai misterioso e ignorante de sua sabedoria cotidiana. Ou será que tinha consciência desse saber? Sei lá, talvez a vida seja só um detalhe, um inventar que tentamos escrever quase sem palavras, mas não sem elas.
Maicon Jesus Vijarva
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