15.9.16

O RECONHECER E A CLÍNICA PSICANALÍTICA


Em busca de viver novas experiências com o objeto desejado, o reconhecer torna-se uma tarefa árdua, por trazer à reflexão de que nada se sabe daquele objeto de ontem, que hoje já não é mais o mesmo e será outro no amanhã. Deste modo, a convivência com o objeto desejado, não garante ao sujeito saber sobre ele. Assim, a capacidade de tolerar a frustração passa a ser indispensável, para que o sujeito possa reconhecer que nada se sabe do objeto que se deseja, o que não impede de amá-lo e continuar desejando.

A capacidade de se aproximar todos os dias, de forma diferente, pelo mesmo objeto que se deseja, faz conexão com a função do desejo de contribuir para o movimento do sujeito em busca de viver novas experiências com o Outro. O papel desempenhado pela intensidade do gozo depende da disposição do sujeito em desejar. Não se pensa aqui o desejo direcionado, mas o desejo que tem como proposito o movimento.

Enquanto o desejo for fonte de movimento do sujeito, dará ferramentas para transformar o desejo em sua vida, impulsionando-o na busca de viver novas experiências no contato com o Outro, com o mundo externo. A frustração, deste modo, é essencial nessa tarefa árdua e fantástica que envolve o sentir e o pensar. As experiências sucedidas só se sustentam por meio da memória, essa última é seletiva e traiçoeira em potencial, invalidando assim sua fidedignidade com a realidade dos fatos, por se fundir ao conteúdo impensado da mente.

Na perspectiva de Wilfred R. Bion (1967), a capacidade negativa é condição fundamental na tarefa do recolhimento de si mesmo no desenvolvimento saudável da mente, que possibilita ao indivíduo se ligar ao outro através do sentir, visto que na clínica psicanalítica será impossível ser por outro meio. 

De acordo com o autor, o reconhecer da dupla analítica, no setting terapêutico, muitas vezes pode não se configurar numa mudança catastrófica, que é essencial para o ato analítico. A mudança nomeada catastrófica é nada menos que a passagem de K (saber) para O (realidade última), em que a partir do reconhecimento do vínculo de 1+1 tenta construir ao iniciar a análise.

Não podemos deixar de esclarecer que a psicanálise está para todos, mas nem todos estão para psicanálise. Por demandar uma energia interna do sujeito, e a resistência inconsciente muitas vezes interrompe o processo analítico por apresentar certo desconforto à frustração. Uma vez expandida à psique humana, não há possibilidades de volta.

É aqui que entramos na perspectiva de que o sujeito terá que lidar com o desconforto que a dor traz e encontrar meios de transformar esse sintoma em uma causa que movimenta o desejo pela existência, vida. 

Mas é importante salientar que o processo para que o sujeito encontre esse “meio” é através do ambiente suficientemente bom que o analista oferece à ele, visto que a verdade sem amor é crueldade, o que impossibilita a expansão da mente do analisando, na tentativa de continuar caminhando e transformando seus sintomas em causa que leve-o ao conhecer-se a si mesmo. Portanto, o reconhecimento em análise é essencial na tarefa de expansão da mente, de possibilidade do sujeito transformar suas questões interna com amor e respeito ao seu sofrer.

Abraço,
Maicon Vijarva

31.8.16

A MARCA DA MÃE: O DESAMPARO E O AMOR SEQUESTRADO


A trajetória de nós seres humanos, não é simplificada, justamente por oferecer um caminho de infinitas possibilidades, com conservas culturais e zonas de conforto idealizadas pela própria sociedade, que ofusca à visão do indivíduo frente a si mesmo, no enfrentamento de suas próprias adversidades.
Metaforicamente, o desamparo é um amor sequestrado, que leva o indivíduo às angústias vinculadas à perda do seio materno, que faz alusão ao luto, numa textura de cor escura, preta como a depressão grave e branco como os estados de vazio. O que conduz a refletir a respeito, que o desmame precisa ser contemporâneo à apreensão da figura materna quanto objeto total e implica que o processo de desligamento do cordão umbilical simbólico, entre a criança e a figura materna tenha se realizado de forma saudável.
A separação saudável deve dar lugar à criação de uma mediação para paliar os efeitos traumáticos da ausência e elaborar a integração no interior do ego da criança. Essa mediação constitui subjetivamente o quadro materno como estrutura enquadrante, em outras palavras, a imaginação da criança simboliza a figura materna internamente, possibilitando lidar com o mundo externo.
 A partir dessa agudeza, quando o processo de rompimento, que deveria ocorrer naturalmente no tempo em que a criança se sentisse suficientemente acolhida, segura e confiante para buscar novos objetos de interesse, torna-se uma passagem incompreensível e traumática, levando à criança a eliminar a figura materna que estava em processo de simbolização, introjetando uma mãe morta à sua vida psíquica.
Na perspectiva de Green (1988), o afastamento e falta de interesse materno, surge uma perda de sentido que regerá a criança a assumir medidas drásticas, como desenvolver indiferença ante o mundo externo e identificação inconsciente com a mãe melancólica, desenergizada. A estrutura do complexo de mãe morta nos revela uma característica do funcionamento psíquico, quando o retrato interno que estrutura o narcisismo – partindo da gradativa separação materna – não se manifesta, pela ausência da mãe, a vida psíquica se transforma em uma lacuna, vazio impreenchível.
O que fortalece a reflexão de que a ausência de composição de um pano de fundo que suporte as representações e simbolizações abandona a criança à mercê de um mundo constituído de objetos internos peculiares e sem vida que não podem se vincular entre si e preencher o seu mundo afetivo. Nas palavras de Simon (1933, p.73):
“Conforme mudam as relações do objeto, mudam os conteúdos da angústia e mudam os mecanismos de defesa. É claro que, entre todas as condições, é a capacidade do ego de tolerar angústia que vai determinar sua possibilidade de estabelecer relações com o objeto total” (SIMON, 1933, p.73).

Diante dessas premissas, percebe-se que desde o nascimento até o segundo terço do primeiro ano de vida, a libido (interesse) da criança se concentra quase que exclusivamente na figura materna. No entanto, as consequências da ausência do vínculo da figura paterna são tão mais graves quanto à ausência da figura materna.
Das contribuições de Martino (2012, p. 66):
A presença do pai, a princípio, se faz importante enquanto ideia no interno da figura materna, entretanto essa experiência simbólica carece do encontro com o “outro real”. Não se pode criar uma imagem interna sem um representante no mundo externo (MARTINO, 2012, p. 66).

Na clínica, o indivíduo poderá reviver esse complexo de mãe morta, na tentativa de reorganizar o seu mundo interno. Para isso, é importante que o analista seja continente, vivo e atento à dor interna que o paciente traz. Entende-se que um analista morto que não é capaz de ser continente também não será capaz de receber conteúdo algum trazido pelo analisando. Acolher o conteúdo coincide com receber a demanda do que no real compete ser ensinado, para levar a idealização fragilizada com a mãe morta, para uma compreensão simbólica de uma mãe que, dentro da sua capacidade, pode proporcionar certa afetividade, por mínimo que tenha sido (MARTINO, 2011).
A psicanálise, norteadora da reflexão até nesta ocasião, não oferece uma resposta finda, mas encoraja o pensar, que é primordial, para que o analista não se torne um analista morto: “por mais tentado que possa se sentir o analista a se tornar o educador, o modelo e o ideal de seus pacientes, qualquer que seja o desejo que tenha de moldá-los à sua imagem, ele precisa lembrar-se de que esse não é o objetivo que procura atingir na análise e até de que fracassará em sua tarefa entregando-se a essa tendência” (ZIMERMAN, 2004, p.86).
Por mais que as técnicas e métodos de intervenção sejam eficazes, nada pode sobrepujar o contato de uma alma humana com outra alma humana (JUNG, 1961-1975). O que nos revela que não basta dominar as técnicas se não existir a “presença sensível” do terapeuta: estar atento ao que acontece nas sessões e corroborar com o cuidado para que a genealogia criativa de cada paciente se estenda. O que a psicanálise se propõe em análise é privilegiar a singularidade de cada analisando e o pundonor de seu sofrimento.
Torna-se propício volver ao conceito de Klein (1957-1974) a respeito de a importância da presença e, consequentemente, a ausência da mãe na primeira infância. O instante em que a criança deve esperar pela saciedade da fome, pelo “estar acolá” da figura materna e todo o ambiente proporcionado por ela.
Está ausência é o tempo saudável, imprescindível, ecúmeno, e que se fará necessário na configuração analítica. Não se discursa acolá o desamparo, mas as ocasiões adequadas para que o analisando reflita a partir desta ausência. Relembrando ou construindo experiências em que logo, empós certo tempo, possa sentir (recordar) os cuidados da análise e, por fim, simbolizar todo processo analítico.
Simbolizar é remeter-se ao real na ausência deste (KLEIN, 1967-1970). Constitui-se “daquilo que permite estar ligado ao ausente” (MARTINO, 2012, p. 43). Só podemos simbolizar quando estamos suficientemente protegidos, confiantes de que o real volverá para nos acolher. Winnicott (1979-2007, p. 34) acrescenta que “a capacidade de ficar só depende da existência de um objeto bom na realidade psíquica do indivíduo”, caso esse indivíduo tenha identificado com a mãe morta, poderá, na análise, reorganizar esse objeto, dando um novo sentido ao enfrentá-lo e observar com o olhar de reconhecimento.
A perspectiva traz à baila a figura paterna, que se estiver presente e quiser conhecer o próprio filho, esta é, certamente, uma criança de sorte e nas circunstâncias mais felizes o pai enriquece, de maneira abundante, o mundo do próprio filho.
Desta maneira, completamos com Winnicott (1957/[1979], p.130): “quando o pai e a mãe aceitam facilmente a responsabilidade pela existência da criança, o cenário fica montado para um bom lar”.
Este vínculo de afeto, onde afeta e se é afetado pelo outro, pode auxiliar o indivíduo em seu trajeto, no trato de si mesmo. Em concordância de que uma das coisas que a figura paterna suficientemente boa faz pelos filhos é estar vivo e continuar vivo durante os primeiros anos das crianças. O valor desse simples ato é suscetível de ser esquecido. Mas que serão forças pulsantes para que o indivíduo transforme de dependente a um ser independente, capaz de se relacionar consigo mesmo e com o outro.
Embora seja natural que os filhos idealizem seus pais, é também muito valioso, para os primeiros anos, ter a experiência de conviver com eles e de conhecê-los como seres humanos, até o ponto de os descobrirem.
Como percebemos, a criança traz angústia das quais, a mãe, mesmo abalada pela situação, deve velá-lo. O pai suficientemente bom, por sua vez, sente e participa da mesma dor, que inunda esse complexo processo, tentando elaborar os sentimentos invejosos gerados pela atenção da companheira, que se desloca dele para criança.
O indivíduo quando desinvestido motiva uma ferida interna, um buraco afetivo na relação com a figura materna e se repetirá, posteriormente, na incapacidade do sujeito de estabelecer e sustentar vínculos afetivos satisfatórios. Mas a psicanálise traz a possibilidade de repensar esse vínculo, dando possibilidade de pensá-lo e reorganizá-lo junto com o analista, para que o analisando possa energizar sua alma e reconhecer as novas formas de viver com essa dor interna.
Assim para que uma mãe não se torne uma mãe morta, será necessário que a figura paterna se faça um ambiente suficientemente bom, vivo, amando e confortando todos os medos e frustrações da mãe no cuidado com o bebê. Só assim, poderá se fazer um lar adequado para que a criança desenvolva toda sua potencialidade, tornando um adulto com um inconsciente mais próximo a realização.
A psicanálise propõe trazer à consciência aquilo que reprimimos, ou seja, tudo aquilo que nos traz incômodo e desprazeres (FREUD, 1917-1920/2010). Mas não se trata de masoquismo, e sim de uma maturidade emocional necessária à elaboração dos conflitos mais íntimos de nosso ser.
 É preciso capacidade e coragem de sofrer e entristecer-se para pôr fim transformar conteúdos vazios de significado em conteúdos que nos ajudem a suportar a falta de nossa satisfação, uma vez que, nem sempre nossos desejos serão realizados.
Por um caminho de amor, pelo afeto, cuidado e sensibilidade à vida, podemos amadurecer de forma segura, ainda que com angústias, a título de encontrarmos quem verdadeiramente constituímos e aprendermos a valorizar e reconhecer nossa subjetividade.


20.8.16

AMOR, DESEJO E SUJEITO


Tu perguntas se deves, 
Digo, o que te impede?

Dava-se ao amor como dava-se ao ódio, 
Estimo não ser inverossímil nada do que dizem

a respeito do amor e ódio.

Amar e ódio são como lanterna mágica, 
alimentam os fantasmas da nossa alma, 
os dando cor.

Dizem que amar é para os fortes, 
mas temo tal especulação.

Os grandes escritores que falam sobre amor, 
são frágeis, mas corajosos.

O que motiva o amor, não é a força, 
mas a coragem de se despir, 
desabitar, permitir-se ser habitat do novo,
do Outro.

Já disse Goethe:
O que seria o mundo para nosso coração,
sem amor? 
O mesmo que uma lanterna mágica, 
sem luz,
Efêmero!

Não seja medíocre com o seu amor, 
Invista tudo, mergulhe.

7.8.16

MANEJO DO CIÚME: INVEJA E GRATIDÃO


O ciúme é um importante sentimento para o indivíduo em sua tenra infância, e tem uma atribuição respeitável para psicanálise, nos primórdios do desenvolvimento do sujeito. O que nos revela que sua configuração e efeitos no sujeito dependem da estrutura que o sustenta. O ciúme tem a característica de ser um estado emocional por despertar a percepção de uma possível ameaça a um vínculo ou posição de valor, que produz comportamento que se dispõe a liquidar com essa ameaça.
A partir desta perspectiva, percebemos que dentre as emoções humanas, o ciúme é um sentimento comum e deveras importante no desenvolvimento do indivíduo e entre os tipos de ciúme, o patológico é um sentimento que tem despertado uma visibilidade de grande proporção e que mereça uma maior atenção em seu manejo na contemporaneidade.
A motivação que gera o comportamento ciumento nasce das relações de junções tríade:  pensamentos, emoções e ações, movido por um objeto ameaçador ou a particularidade do vínculo com esse objeto desejado e invejado. O indivíduo enciumado age no intuito de preservar a si mesmo, a partir da castração do objeto desejado e invejado em que está veiculado. Pode-se dizer que o sujeito-ciumento-invejoso não podendo se tornar o objeto desejado, tende a destruí-lo parcialmente, para que esse objeto-desejado não seja capaz de se sustentar sem sua presença. 
Como podemos perceber, o ciúme se configura de variadas formas. Por ser uma manifestação afetiva muito comum, traz consigo uma dificuldade na compreensão de sua configuração entre ciúme clássico e patológico.
Para melhor esclarecimento, a diferença entre o ciúme clássico e o patológico é simples. O primeiro se refere a busca do sujeito em preservar os vínculos, já no segundo, se refere a busca do sujeito em satisfazer a si mesmo, na tentativa de aniquilar o desejo do outro: apenas o indivíduo enciumado que pode ser desejado e ter o seu desejo realizado. É desta forma, que cria em sua mente, um enredo para justificar externamente as suas frustrações e preocupações com a possível perda do objeto desejado.
Entende-se o ciúme, no senso comum, como uma disposição de domínio, emaranhado com o outro, no outro. Mas, de acordo com nossas reflexões de ciúme, podemos notar que essa classificação se encaixa melhor na posição de ciúme patológico. Devido a vontade de possuir, a ausência de confiança, identificação com o melancólico. Essas características dificultam a relação conjugal ou relação com outras pessoas da sociedade.
É interessante citar aqui, o escritor e psicanalista contemporâneo Green (1988), que descreve essa figura materna como ausente e propulsora das identificações do sujeito com o melancólico, com a dificuldade de elaboração de frustrações, na problemática em se relacionar com o outro ou de percebê-lo como sujeito subjetivo, imponderado de um outro universo além do sujeito de ciúme patológico.   
O universo do indivíduo ciumento não consegue ser capaz de distinguir imaginação, fantasia e realidade. Tudo se mistura, sem espaço para percepção consciente. No entanto, quando ocorre essa percepção consciente, o ciumento de grau patológico nega e se retraí, na tentativa de buscar formas para se reestruturar internamente. O que o ciumento patológico procura é o controle total dos sentimentos, da atenção e do comportamento do outro.
No ponto de vista de Lacan (1988) o desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não tanto porque o outro detenha as chaves do objeto desejado, mas porque seu primeiro objeto (do desejo do homem) é ser reconhecido pelo outro. Se o ciumento patológico não conseguir ser reconhecido por ser o que é, o fará de forma forçada, na tentativa de se impor como sujeito a ser desejado por aquele em que ele projetou seu desejo.
Para Melanie Klein (1957), define a inveja e a distingue da voracidade e ciúme através da ação dos diversos mecanismos de defesa e das relações de objeto. Na gratidão a autora descreve ser um sentimento impulsionador do desejo de retribuir a satisfação (o seio materno, fonte de prazer) conseguida e leva à separação, permitindo também as sublimações.   
Se entendemos que o ciúmes clássico é uma forma de sentir ameaçado por investidas externas, e que essa ameaça impulsiona o sujeito ciumento a nutrir o vínculo na intenção de preservar. Na inveja excessiva intrínseca no sujeito ciumento patológico, leva, habitualmente, à dissociação das partes consideradas más, com as consequentes divisões que sofre o ego, podendo causar mesmo verdadeira fragmentação. No inverso, a integração inesperada dos aspectos invejosos desconexos pode ter como consequência a manifestação de crises psicóticas, que são respeitáveis no discurso do tratamento psicanalítico.
De fato, dentro da perspectiva psicanalítica, é difícil vencer certos pontos cruciais dos laços vivenciados, representado pelo aproveitamento e melhoras reais obtidas pelo sujeito dentro do vínculo, pois este, devido à excessiva inveja que sente do par amoroso, se desfaz logo do alívio e das melhoras alcançadas.  
Em Melanie Klein (1957), com a regressão e a piora que a seguir se instala, não só diminui sua inveja como também expia a culpa correspondente. Na dupla amorosa, o sujeito ciumento-invejoso sentirá extrema dificuldade em sentir satisfeito com sua posição positiva dentro da relação. De sorte, para evitar a inveja do par amoroso, os progressos realizados, para serem bem aceitos, devem ser lentos e graduais. É aqui que a análise entra, na tentativa de levar o sujeito ciumento-invejoso a busca de reconhecer a sua condição de invejoso, para futuramente, de forma gradual, reconhecer a gratidão que venha a se instalar. Levando em conta, ser uma tarefa muito difícil aceitar o alívio, felicidade e bem-estar porque está implícita a necessidade de poder expressar gratidão.
A gratidão, inveja e ciúme são sentimentos difíceis de elaboração e, ainda mais, de serem identificados e compreendidos em nós mesmos, de maneira especial quando considerados em sua grandeza, significação e profundez exatas.
Para Melanie Klein (1957), mesmo a gratidão – que é baseada em sentimentos amorosos – é com facilidade confundida com o que se nomeia de “falsa gratidão”. Esta, ao invés de estar ligada à confiança e aceitação do bom objeto, bem como do reconhecimento do que dele se recebeu e à necessidade de retribuir a gratificação obtida, é primariamente um procedimento que tenta manter controlado o objeto, considerado perseguidor, através do seu aplacamento por meio de conduta aparentemente adequada e oferendas.
De tal modo, talvez o fato que acabara de ser mencionado pode se fundar em um exemplo das robustas resistências em focalizar este tema emocionalmente tão envolvente para todos, tanto para o sujeito ciumento como para o par amoroso.
Podemos utiliza de uma fábula para elucidar o funcionamento da psique daquele que vivencia veementemente o sentimento de inveja, aqui no caso o ciumento patológico.  A fábula narra a história de certa ocasião, em que um homem extremamente invejoso de seu vizinho, recebe a visita de uma fada, que lhe dá a possibilidade de realizar um único desejo, então disse a fada ao homem: peça o que desejar, desde que seu vizinho receba em dobro. O invejoso em seguida respondeu, quero que lhe arranque um olho.
A moral da fábula é nítida, o prazer do ser humano em ver o seu próximo se prejudicar prevalece sobre qualquer desejo de benefício pessoal, embora seja uma satisfação pessoal de ver o outro sofrer. Não é preciso ir muito longe, na perspectiva do pensar, para chegar à conclusão da psicanalista Klein (1974) de que a inveja é uma característica poderosíssima na erosão das raízes do sentimento de amor e gratidão, de modo a afetar a relação mais ancestral de todas, a relação com a figura materna. A veridicidade radical da manifestação da inveja é o seu impulso destrutivo, por levar o sujeito a incidir e destruir o objeto bom, cujo a introjeção é o alicerce do funcionamento psíquico. Esse afeto, por nem sempre ser consciente, inibe a assimilação de experiências boas e, deste modo, a possibilidade de integração com a psique.
De acordo com a autora, a inveja não é produto da decepção ou frustração, ela é parte da vida psíquica do sujeito desde a tenra infância independente das atitudes da figura materna e do seu ambiente oferecido. Pelo adverso, a inveja emana do próprio sujeito, sendo sentimento endógeno. Em contrapartida, para Winnicott (1971), a inveja é fator secundário, proveniente de uma falha na elaboração do ambiente, sendo a relação mãe-bebê fator primordial para acolher o sentimento de inveja da criança, contribuindo para uma boa resiliência do sentimento de inveja.
 Para Martino (2015), o medo de perder é filho do desejo de posse. O que nos revela que o sujeito enciumado só aprenderá a reconhecer a realidade somente depois de experimentar a sensação de que essa realidade é uma extensão de seu desejo. Freud (1821) traz uma realidade interessante: “se nós mesmos não podemos ser os favoritos, pelo menos ninguém mais o será”, “só ama o outro quem ama a si mesmo; só ama a si mesmo quem foi amado pelo outro”. Em outras palavras, o sujeito enciumado inseguro de si mesmo troca aquela coisa que mais tem habilidade por aquilo de que não é capaz.
Tal reflexão faz alusão ao pensamento de Bion (1967) em que traz a proposta de realidade última, que depende funcionalmente da capacidade de tolerar frustrações. Para o intolerante (o ciumento), é melhor não ver, não saber. Essa tolerância só é obtida em dois momentos, no primário, com a figura materna e no secundário, com a figura analista. A primeira tende a ser menos árdua que a segunda, por tratar-se de uma demanda interna maior, para elaboração do sujeito.

14.7.16

O silêncio em análise: não é um silêncio associado ao nada.

 

A relação do silêncio com a linguagem, da ordem da linguística, da elipse e do implícito, pode ser considerada sob um enfoque negativo - do “que não é” - mas o silêncio não fala, ele significa! Faz sentido essa reflexão?  A perspectiva do pensamento retratado, nos permite significar que o silêncio não está na ausência das palavras ou sons. Trata-se da questão de que o silêncio seja de propósito fundante, que estabelece um princípio de toda a significação. Por consequente, o silêncio guarda uma analogia essencial com o seu significado – aquilo “que ele é”, os seus sentidos.
Essas provocações do silêncio ocorrem no setting terapêutico, de maneira explícita. Nomeadamente nos processos psicanalíticos, numa dialética pulsante entre o silêncio por parte do analista, próprio da técnica, e os silêncios que conduzem à constituição de significado e elaboração de novos sentidos pelo analisando. Em contrapartida, dentro de todo esse ponto de vista de pensamento, a afasia psíquica precisará ser tocada, para que o silêncio seja quebrado e permita ao corpo falante gozar da própria vida.
Mas para que essa fórmula aconteça, permitindo ao sujeito nomear seus sentimentos, faz-se necessário que o analista seja capaz de dar conta do “não dito” no setting terapêutico, ou seja, parte de que o analista contenha o seu desejo de gozo da descoberta do analisando, forçando-o a falar; se apresentar e dizer qualquer coisa para para satisfazer o seu ego.
Para psicanálise o silêncio será mecanismo de defesa inato na análise, durante todo o processo psicanalítico, por levar em conta os papéis exercidos pelo silêncio na estrutura psíquica do analisando, com os quais se pode ter contato na prática analítica, em que revelam não existe destituição subjetiva que conduza ao ato analítico senão por efeito do silêncio, em outras palavras, é a partir do silêncio que se chega ao ato analítico. Na clínica contemporânea, portanto, o silêncio é o ponto de partida e o ponto de chegada do processo psicanalítico. 
A sua ocorrência durante o processo terapêutico emana de fatores variantes, sendo distintos também os papéis os quais acolhe, segundo o referencial epistemológico adotado pelo analista. O que possibilita ou não a comunicação na análise é, em essência, o silêncio. A pintura desta reflexão é que o silêncio nos conta uma história, tanto quanto a fala. Em contramão, é a vertente clássica psicanalítica que só pode pensar na psicanálise por meio da palavra verbalizada. Entretanto, ocorre que o silêncio, em si mesmo é uma comunicação que pode ter/trazer inúmeros sentidos. O que corrobora que mesmo que o silêncio se apresente como resistência, delata territórios nos quais evadimos pisar e, assim, promove uma fresta para a manifestação do inconsciente.
Nesse momento é que a interpretação do analista pode cooperar para um “se dar conta”, na tentativa de se proporcionar um sentido para o não-dito. É exatamente o que Reik (1926) retrata: “a psicanálise prova o poder das palavras e o poder do silêncio”. O peso de que o silêncio é um acontecimento intrigante na psicanálise, por estar atrelada ao talking cure – a cura pela palavra.  Exemplo é o da Ana O., analisanda de Freud.
As películas de estudo psicanalítico deste texto têm a intenção de instigar o leitor às indagações, questionamentos, posicionamentos frente ao cotidiano, à vida. Na tentativa de decifrar questões da metáfora da mãe morta cunhado pelo psicanalista Green, aprofundando-se sobre o silêncio na clínica do vazio, em que enquadra os efeitos nocivos dos fracassos, dos insucessos das relações objetais para constituição do psiquismo humano, em decorrência da ausência da figura materna.
O que permite ao analista – dar sentido a relevância do conceito de narcisismo primário como base, alicerce da estruturação psíquica do sujeito – curvar-se perante o sofrimento psíquico do sujeito: de que nada se sabe e que somente a escuta permitirá revelá-lo. O analista deixa de ser uma pintura das projeções das fantasias do sujeito, para ser continente, alicerce para conduzi-lo ao contato humano e possibilidade reconhecer e simbolizar a angústia trazida em análise. 

24.6.16

O PAI MORTO E O DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO: DA DEPENDÊNCIA À INDEPENDÊNCIA

      A idealização deste texto traz à baila a tentativa de compreender sobre como o analista/psicoterapeuta seja de qual linha for, está contribuindo para auxiliar os pais, tios, avós ou cuidadores, nessa tarefa árdua de “preparar” os filhos, netos, afilhados, sobrinhos na sua construção de si mesmo, examinando o crescimento em termos de dependência, transformando gradualmente no sentido à independência.
Seguramente, às mudanças pelas quais a imaturidade cede lugar à maturidade em termos de progressão na vida instintiva do indivíduo, está totalmente intrínseco à fase oral e à anal, à fálica e à genital e, do mesmo modo.  O crescimento emocional em termos da jornada do indivíduo da dependência à independência, em epítome, é um tanto que arriscado na contemporaneidade.
A psicanálise sempre ponderou sobre a importância da presença materna na constituição do eu da criança. Embora, bem se faz verdade, que a psicanálise nunca culpabilizou a mãe por não ser capaz de ser suficientemente boa.
Freud (1923) reflete que para amar é preciso ser amado e, consequentemente, acrescenta Winnicott (1979), que para que a mãe seja suficientemente boa, precisará ter experiência sobre esse âmbito.  Em Introdução ao Narcisismo (1914), Freud inova ao ir além, quando retrata que sua parte mais importante do narcisismo, pode ser isolada sob a forma do ‘complexo de castração’ (nos meninos, a ansiedade em relação ao pênis; nas meninas, a inveja desse pênis) e tratada em conexão com o efeito da coerção inicial da atividade sexual.
Dependendo do ambiente que a figura paterna, proporciona para a figura materna, dará subsídios para que a criança consiga sentir essa mãe viva e possa vivenciar o processo de castração de forma sadia.
Freud (1914) faz certa discussão sobre o amor próprio no indivíduo normal e no neurótico:
“O amor-próprio nos aparece de imediato como expressões da grandeza do Eu, não sendo aqui relevante o caráter composto dessa grandeza. Tudo o que se tem ou que se alcançou, todo resíduo do primitivo sentimento de onipotência que a experiência confirmou, ajuda a aumentar o amor-próprio” (FREUD, 1914, p. 45).

Em consonância com o autor, temos que reconhecer para o amor-próprio uma dependência bem íntima da libido narcísica. Apoiando-se em dois fatos fundamentais: o de que nas parafrenias o amor-próprio é aumentado, nas neuroses de transferência é diminuído; e de que na vida amorosa não ser amado rebaixa o amor-próprio, enquanto ser amado o eleva. Em alusão à reflexão de Freud (1914) ser amado representa o objetivo e a satisfação na escolha narcísica de objeto.
Se jazermos de acordo até nesta ocasião, então tenderemos a refletir que o bebê viverá a experiência que o conduzirá ao reconhecimento do “outro” e, posteriormente, a sua importância. Deste modo, Martino (2012) acrescenta:
“O bebê só admitirá que existe alguém além dele mesmo no mundo se sentir muito seguro com esse “outro alguém”, além dele. Passa então a desenvolver o que chamaríamos de amor narcísico. Na realidade só admitirá o outro se o outro for para ele um espelho. No narcisismo primário, ele se vê no outro (mãe). Nesse modelo, ele é (deve ser) o desejo da mãe: ‘ela vive para e por mim’” (MARTINO, 2012, p.64-5).

Voltando ao texto Introdução ao Narcisismo (1914), Freud distinguiu duas formas da libido: a libido do ego ou libido narcísica; e a libido do objeto, que é dirigida ao mundo externo, onde se encontra o objeto, fixando-o, abandonando-o ou passando de um objeto para o outro (modelo analítico de ligação). A segunda permite maior observação e estudo, enquanto a primeira se faz oculta, por se tratar de um processo interno.
“As relações do amor-próprio com o erotismo (com investimentos de objetos libidinais) podem ser apresentadas, concisamente, da maneira que segue. Em ambos os casos é preciso destinguir se os investimentos amorosos estão em sintonia com o Eu ou se, ao contrário, experimentaram uma repressão.  No primeiro caso (em que a utilização da libido é sincronizada com o Eu), amar é visto como qualquer outra atividade do Eu. O amar em si, enquanto ansiar, carecer, rebaixa o amor-próprio, e ser amado, achar amor em troca, possuir o objeto amado, eleva-o novamente. Sendo a libido reprimida, o investimento amoroso é sentido como grave diminuição do Eu, a satisfação amorosa é impossível, o reenriquecimento do Eu torna-se possível apenas retirando a libido dos objetos. O retorno da libido objetal ao Eu, sua  transformação em narcisismo, representa como que um amor feliz novamente e, por outro lado, um real amor feliz corresponde ao estado primordial em que libido de objeto e libido do Eu não se distinguem uma da outra” (FREUD, 1914, p. 47-8).

Para a teoria psicanalítica o termo “objeto” é qualquer pessoa ou coisa do mundo externo, que tem importância psíquica (investimento libidinal) para o sujeito podendo ser animadas ou inanimadas. A atitude do sujeito para com o objeto é designada “relações de objeto”. A energia psíquica – libido – busca no mundo externo um modelo em que se ligar e esse modelo nomearemos de objeto. Quando essa energia encontra o objeto, o que era simples libido livre torna-se então cartexia.  

A criança, nos primórdios da vida, ainda não é capaz de distinguir os objetos de si – identificação, no entanto, essa capacidade será adquirida nos primeiros meses de seu desenvolvimento. Para Martino (2012), a erotização, já presente, se faz de uma forma designada autoerotismo (amor-próprio).  
Na busca pelo objeto, se dá o desenvolvimento da libido. A personalidade se organiza em torno de zonas erógenas, com vivencias e sensações muito especificas. Uma área do corpo físico que fica especificamente disposta para o contato com o outro. As zonas erógenas concentram um elevado grau de excitação. Cada fase deste desenvolvimento é acompanhada de uma orientação libidinal, que se desloca pelas zonas do corpo, até que se desenvolva e concentrem-se predominantemente nos órgãos genitais, para assim se encontrar sob a influência da função reprodutora.  
Nas reflexões de Martino (2012) a predominância das zonas erógenas se modifica ao longo do desenvolvimento caracterizando fases. São tentativas de ligação com os pais, inicialmente com a figura materna (objeto), de quem fisicamente se desligou há pouco tempo.
Percebe-se que desde o nascimento até o segundo terço do primeiro ano de vida, a libido (interesse) da criança se concentra quase que exclusivamente na figura materna. Entretanto, as consequências da ausência do vínculo da figura paterna são tão mais graves quanto a ausência da figura materna. Partindo das contribuições de Martino (2012):
“A presença do pai, a princípio, se faz importante enquanto ideia no interno da figura materna, entretanto essa experiência simbólica carece do encontro com o “outro real”. Não se pode criar uma imagem interna sem um representante no mundo externo” (MARTINO, 2012, p. 66).

O papel da figura masculina, no caso, a paterna, é tanto mais importante quanto à feminina, materna. A resposta para essa reflexão, segundo Winnicott (1979) é clara, o pai precisará ser um ambiente suficientemente bom para essa mãe, para que assim, ela possa ser ambiente suficientemente bom para o bebê. Na ausência da figura paterna nesse ciclo de construção, trará grande demanda psíquica para a figura materna, que pode não suportar vivenciar toda essa experiência sozinha.
O pleito interno é muito amplo para que a mãe possa suportar frustrações no cuidado com essa criança, sem as contribuições e auxílio do ambiente seguro da figura masculina, paterna. Quando se cogita neste trabalho sobre a mãe morta, retratamos, justamente, não só a ausência desta mãe, mas figura-se um retrato tríade: o pai, que possa ser um ambiente para a mãe, para que essa possa então ser um ambiente de extensão para o bebê, quando iniciar sua aventura no rompimento do cordão umbilical.
Faz-se exclusivo, citar novamente, o grande pensador e psicoterapeuta contemporâneo Martino (2012), visto que sua teoria se sustenta no âmbito de pensar os vínculos fraternos da família. E, se confiarmos em Martino sobre a base dos vínculos, chegaremos ao seguinte pensar:
“É de extrema importância que, ao se arriscar nesse abismo chamado bebê, a mãe conte com um alguém (marido/pai) que mantenha a mão seguramente dada. De outra forma existirá sempre um grande risco de se perder nesse abismo. A mãe e o bebê se confundem, e essa importante experiência da discriminação entre um e outro só pode ocorrer com a entrada de mais alguém (o pai) na relação” (MARTINO, 2012, p.66).

É a partir dessa perspectiva do autor, que podemos supor, que dessa tríade que a mãe buscará a resposta para o viver, ou a confirmação da existência: “Sou amada”, já que o bebê ocupa uma posição incapaz de retribuir o amor dessa mãe, uma vez que ele e a mãe são um só, nesse primeiro momento da vida. De tal modo, a presença da figura paterna é justamente o que conduzirá a qualidade de vínculo com o objeto – a mãe.
Em Winnicott (1957/[1979]), destrinça as diversas maneiras em que o pai é valioso no vínculo triangular e, posteriormente, na vida social:
“A primeira coisa que quero dizer é que o pai é preciso em casa para ajudar a mãe a sentir-se bem em seu corpo e feliz em seu espírito. Uma criança é realmente sensível às relações entre seus pais e se tudo correr bem entre as paredes do lar, por assim dizer, a criança é a primeira a mostrar seu apreço por encontrar a vida mais fácil, mostrando-se mais contente e mais dócil de conduzir. Suponho ser isso o que uma criança entenderia por ‘segurança social’” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.129).

O quatro reflexivo que o autor faz menção traz à baila, outras contribuições, que juntas enriquecem ainda mais o pensar. A união sexual de pai e mãe, de acordo com Winnicott (1957/[1979]), fornece um possível fato concreto em torno do qual a criança poderá construir uma fantasia, uma rocha a que ele se pode agarrar e contra a qual pode desferir seus golpes; e, além disso, fornece parte dos alicerces naturais para uma solução pessoal do problema das relações triangulares. Quando esse processo não ocorre de modo satisfatório e saudável, conduz à díade pai-mãe para construção maciça da mãe morta, em que negligencias do pai, podem causar danos significativos na mãe, no cuidado com o bebê.
Para Winnicott (1957/[1979]), a segunda maneira em que o pai pode ser valioso é:
“O pai ser necessário para dar à mãe apoio moral, ser um esteio para a sua autoridade, um ser humano que sustenta a lei e a ordem que a mãe implanta na vida da criança. Ele não precisa estar presente todo o tempo para cumprir essa missão, mas tem de aparecer com bastante frequência para que a criança sinta que o pai é um ser vivo e real. Grande parte da organização da vida de uma criança deve ser feita pela mãe, e os filhos gostam de sentir que a mãe pode dirigir o lar enquanto o pai não está realmente nele” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.129).

Assim sendo, com efeito, toda figura feminina, tem de encontrar-se apta a falar e agir com autoridade; contudo se tiver de ser tudo no lar e tiver de prover todo o elemento de fortaleza ou rigor na vida dos filhos, a par do amor, padecerá sobre seus ombros um fardo deveras enfadonho. Além do mais, é muito mais simples para as crianças estarem capazes a contarem com duas figuras paternas; uma dessas figuras pode ser encarada como a conservação do amor, enquanto que a outra é detestada, e isto funda, em si, uma influência estabilizadora.
Em concordância ao escopo de Winnicott (1957/[1979]), quando vemos uma criança agredir a socos e pontapés a mãe, concluímos que, se o marido a estivesse apoiando, a criança provavelmente quereria agredir o pai e, muito possivelmente, nem sequer tentaria coisa alguma.
“A criança está constantemente predisposta a odiar alguém e se o pai não estiver presente para servir-lhe de alvo, ela detestará a mãe e isso confundi-la-á, visto ser à mãe que a criança mais fundamentalmente ama” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.130).

A terceira reflexão de Winnicott (1957/[1979]), na importância do pai no vínculo triangular é que a criança precisa da figura paterna por causa das suas qualidades positivas e das coisas que o distingue de outros homens, bem como da vivacidade de que se reveste a sua personalidade. Durante o momento primário de vida, quando as impressões são vividas, é a ocasião adequada para que a criança esquadrinhe conhecimento com a figura paterna, se isso for possível.  
“Uma criança buscará à sua volta o pai, quando tiver apenas alguns meses de idade, estenderá para ele os braços quando o vir entrar no quarto e escutará seus passos [...] gradualmente consentirá que o pai se converta numa pessoa muito importante em sua vida. [...] quererá saber como ele realmente é, ao passo que [...] usará o pai como alguém que serve de incentivo à imaginação, dificilmente o conhecendo como todos os outros o conhecem” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.130).

A perspectiva do autor revela que se o pai estiver presente e quiser conhecer o próprio filho, esta é uma criança de sorte e nas circunstâncias mais felizes o pai enriquece, de maneira abundante, o mundo do próprio filho. Desta maneira, completa Winnicott (1957/[1979], p.130): “Quando o pai e a mãe aceitam facilmente a responsabilidade pela existência da criança, o cenário fica montado para um bom lar”.

Uma das coisas que a figura paterna suficientemente boa faz pelos filhos é estar vivo e continuar vivo durante os primeiros anos das crianças. O valor desse simples ato é suscetível de ser esquecido. Embora seja natural que os filhos idealizem seus pais, é também muito valioso, para os primeiros anos, ter a experiência de conviver com eles e de conhecê-los como seres humanos, até o ponto de os descobrirem.
Confluímos com o complemento da reflexão de Winnicott (1957/[1979]:
“Conheço uma menina e um menino que pensaram estar passando um tempo maravilhoso, na última guerra, quando o pai deles estava no exército. Viviam com a mãe numa casa com um belo jardim e tinham tudo o que era preciso, até mais. Por vezes, caíam num estado de organizada atividade anti-social e quase demoliam a casa toda. Agora, quando olham para trás, podem ver que essas explosões periódicas eram tentativas, inconscientes nessa época, para forçarem o pai a aparecer em pessoa. Contudo a mãe conseguiu percebê-las e dominar a crise, apoiada pelas cartas que recebia do marido; mas podemos bem imaginar quanto ela ansiou por tê-lo em casa a seu lado, para que pudesse ocasionalmente respirar aliviada, enquanto o pai ordenava às crianças que fossem dormir” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.130-1).

Como percebemos, a criança traz angústia das quais, a mãe, mesmo abalada pela situação, deve velá-lo. Para Martino (2012) o pai suficientemente bom, por sua vez, sente e participa da mesma dor, que inunda esse complexo processo, tentando elaborar os sentimentos invejosos gerados pela atenção da companheira, que se desloca dele para criança.  

Assim para que uma mãe não se torne uma mãe morta, será necessário que a figura paterna se faça um ambiente suficientemente bom, vivo, amando e confortando todos os medos e frustrações da mãe no cuidado com o bebê. Só assim, poderá se fazer um lar adequado para que a criança desenvolva toda sua potencialidade, tornando um adulto com um inconsciente mais próximo a realização. 

23.6.16

O ANALISTA MORTO E O ANALISTA CONTINENTE

A universalidade sentimental de uma necessidade de reconhecimento, por parte da criatura humana, abrolha na literatura psicanalítica desde os seus primórdios até a atualidade, em diversos autores de distintas correntes psicanalíticas, com denominações, abordagens e contextos díspares. Partindo desta reflexão, Zimerman (1999) apresenta algumas acepções acerca da valorização do vínculo do reconhecimento:
 “A existência e valorização do Vínculo do Reconhecimento, nas seguintes quatro acepções possíveis: 1) Reconhecimento (o prefixo “re” tem significado de “voltar a acontecer”). 2) A aquisição de um reconhecimento do outro. 3) Ser reconhecido ao outro. 4) Ser reconhecido pelo outro” (ZIMERMAN, 1999, p. 162).

Segundo este autor, este último vínculo, acolá enfatiza o fato de que em bondosa parte a estruturação da personalidade de qualquer indivíduo é calcada na necessidade de resguardar-se a autoestima e o senso de identidade, e isto, além de diferentes fatores psicogênicos, igualmente está intimamente interligado com o reconhecimento por parte dos outros de que, de fato, ele existe e é valorizado como indivíduo autônomo, digno de ser amado e aceito pelos demais.
De acordo com Martino (2011), para que o analista não se torne um analista morto, precisará identificar acontecimentos do mundo externo, possibilitando ao analisando transformar seus vínculos fragilizados, em vínculos saudáveis, permita melhor discernimento entre o que é real e o que é imaginário, acresce o autor:
“Dessa forma, podemos descobrir os limites entre o eu e o outro. Quantas vezes nos pegamos querendo saber sobre o outro, porém, será que queremos saber realmente o que ele deseja ou, na verdade o que nos interessa é confirmar se ele quer aquilo que esperávamos que ele quisesse?” (MARTINO, 2011, p.24).

A reflexão proposta pelo autor vai de encontro tanto com o imaginário do analista, quanto com o imaginário do analisando, que retrata a perspectiva de que o analista morto, não conseguirá saber o que é dele e do outro, impossibilitando empatia e vínculo que será imprescindível para que o aspecto transferencial do analisando para o analista possa acontecer. É neste momento, que a mãe morta é projetada no analista, buscando aspectos desta mãe que se identifique com o analista. Martino (2011) propõe ainda que:
“Quando somos guiados por “certo vértice” de pensamento que compreenda o modelo continente/conteúdo, entendemos que aprender é doar espaço do eu para o outro (em ideia) se instale” (MARTINO, 2011, p.24).

Entende-se que um analista morto não capaz de ser continente também não será capaz de receber conteúdo algum trazido pelo analisado. Para Martino (2011), acolher o conteúdo coincide com receber a demanda do que no real compete ser ensinado, para levar a idealização fragilizada com a mãe morta, para uma compreensão simbólica de uma mãe que, dentro da sua capacidade, pode proporcionar certa afetividade, por mínimo que tenha sido.
Faz-se importante descrever nesta ocasião, o que Zimerman (2004) relata sobre o pensamento de Freud (1940), que é primordial para que o analista não se torne um analista morto:
“Por mais tentado que possa se sentir o analista a se tornar o educador, o modelo e o ideal de seus pacientes, qualquer que seja o desejo que tenha de moldá-los à sua imagem, ele precisa lembrar-se de que esse não é o objetivo que procura atingir na análise e até de que fracassará em sua tarefa entregando-se a essa tendência” (ZIMERMAN,2004, p.86).

O autor retrata que, assim agindo, o analista apenas repetiria o erro dos pais do paciente cuja influência sufocou a independência deste último quando criança e substituiria a antiga sujeição por uma nova.

Das contribuições de Zimerman (2004), cabe deduzir que a pessoa do analista não é mais do que uma simples lâmpada transferencial, na qual são projetados pelo paciente, provindas de seu psiquismo interior, que remonta os diversos elementos constituintes – pulsões e demandas do id, representações e funções do ego, ameaças e expectativas do superego, além dos objetos e configurações objetais internalizados.
Devido o desinvestimento do objeto materno e a identificação com a mãe morta, Green (1993) assinala que as defesas psíquicas empregadas pela criança para lidar com o sofrimento psíquico vivido pela falta do investimento materno, sufoca as relações interpessoais e intrapessoais. É partindo dessa problemática, que o analista terá que construir um vínculo de reconhecimento, trazendo de forma suficientemente boa, as angústias vivenciadas pelo analisado frente aos relacionamentos ulteriores à identificação com a mãe morta.
Os sentimentos são fontes de energia do psiquismo, e sabe-se em psicanálise que reprimir, negar e ignorar fazem parte de nosso mecanismo de sobrevivência psíquica, que segundo Green (1988):
“Atribui ao trabalho do negativo o caráter de intervenção essencial não apenas para a estruturação do psiquismo, mas também para a própria sobrevivência do sujeito humano, social e cultural” (GREEN, 1988, p. 101).

Nas contribuições das obras de Green (1990) na moderna psicanálise, o autor pinta à colocação na cena das reflexões acerca das relações objetais e seu caráter constitutivo do psiquismo humano. Yalom (2005) faz a seguinte reflexão sobre um analista:
“Não são as ideias, nem a visão, nem as ferramentas que realmente interessam na psicanálise. Se, no final de um tratamento, você perguntar ao paciente qual foi o processo da análise, do que ele se lembra? Nunca das ideias e sempre do relacionamento com o terapeuta. Eles raramente se lembram de uma conclusão importante do terapeuta, mas se lembra com carinho da relação” (YALOM, 2005, P.86-87)

Para Martino (2015), a dificuldade em tolerar o desconforto gerado pelo medo de perder impede o processo que conduz ao desapego, já que o medo de perder é filho do desejo de posse. Em outras palavras, pode-se interpretar a reflexão do autor ao que se trata do terapeuta morto, este que se torna incapaz de nutrir no paciente, a ideia de lidar com seu desconforto, tentando de uma forma inconsciente, curar a dor do paciente.
“O processo de cuidado vai além de explicações técnicas e “à aquisição inteligível de um saber sobre o passado e seus efeitos no psiquismo do sujeito”, porque essa atitude impediria o real conhecimento para cada análise” (KUPERMANN, 2008, p. 30)

Por mais que as técnicas e métodos de intervenção sejam eficazes, nada pode sobrepujar o contato de uma alma humana com outra alma humana (JUNG, 1961-1975). Isso revela que não basta dominar as técnicas se não existir o que Kupermann (2008) designa de “presença sensível” do terapeuta: estar atento ao que acontece nas sessões e corroborar o cuidado para que a genealogia criativa de cada paciente se estenda. É isso que a psicanálise se propõe: privilegiar a singularidade de cada analisando e o pundonor de seu sofrimento (KUPERMANN, 2008).


No livro “A arte de tornar-se um escritor original em três dias”, de Ludwing Borne [Loeb Baruch] (1823/1964-1968), preconizava o método de falar tudo aquilo que viesse à cabeça, para ser um escritor. Freud apreciava tanto esse livro que o carregava sempre consigo. A partir da leitura e de outras contribuições, Freud (1893-1895/2006) aprendera a importância da palavra e como ela é capaz de tocar o corpo. Libertar o inconsciente e dar uma nova perspectiva para aquele que sofre.
Em seu texto derradeiro, “Análise terminável e interminável” (1937/1975) na qual Freud diz que, por melhor que seja conduzida a interpretação em uma análise, sempre haverá um ponto de resistência. No homem, será realizado como “protesto masculino”, e, na mulher, como “inveja do pênis” – como Freud nomeou na sexualidade. [...] O dito em análise jamais será suficiente, e pode continuar indefinidamente, porque nem tudo pode ser nomeado.
“Se quiserem uma comparação, está na criação artística. Imaginemos um pintor. Em que momento ele diz “Este quadro acabou”? [...] O momento em que o artista diz “basta”, o quadro termina – mas também remanesce o infinito da obra. A obra é ao mesmo tempo, terminada e interminada, como uma psicanálise” (FORBES; RIOLFI, 2014, p.11-12).

Tal reflexão faz alusão ao processo terapêutico. O momento em que o paciente profere "basta", a análise finda – entretanto ao mesmo tempo remanesce o infinito do vínculo, a base da análise. Se houver um vínculo saudável, satisfatório para o analisando, essa imagem-obra da análise, será reprojetada para os seus amigos e familiares de forma positiva, harmonizando suas relações. Caso seja o contrário, a reprojeção será de um negativo desastroso.
A ideia do analista continente faz alusão às reflexões cunhadas na obra “Para Além da Clínica”, 2011 do escritor e psicoterapeuta Martino, propõe que a responsabilização, diferente da culpa, é um movimento do ego fortalecido, um ego forte qualifica o ”sujeito desejante”, aquele que escolhe e expande em direção ao mundo, em nome da realização (MARTINO, 2011).
Em Freud (1917-1920/2010), encontramos uma dualidade no funcionamento mental: o princípio do prazer, o qual já ponderamos pelo título ter a função de afastar qualquer tipo de desconforto que arrisque dominar o “eu”, e o princípio da realidade, na qual traz a verdade do “eu” o que jaz acolá externo. O princípio do prazer concerne ao processo primário de todo desenvolvimento do indivíduo e o princípio da realidade, ao processo secundário do desenvolvimento mental (FREUD, 1917-1920/2010). O equilíbrio constituiria a configuração mais saudável de enfrentar as situações coloquiais de cada indivíduo, porém o que se nota é a tendência enfarpelada pelo processo primário. O que descrever que a tendência a afastar o desconforto excede o que se pondera saudável, devido aos resultados produzidos pela busca incessante de satisfação.
A tolerância em adiar a satisfação labora como “elemento básico das experiências emocionais” (MARTINO, 2015, p. 15).  É através da tolerância às desilusões da tenra infância, que se torna crível suportar os desapontamentos ao prolixo da vida. É inevitável como o tempo todo, que o ser humano idealize pessoas e situações, a tendência basal está em fantasiar que seus desejos sejam realizados. Tão-somente intuindo que a falibilidade de tal aspiração é uma variável concreta, somos capazes de lidar de forma saudável com a realidade manifesta (FREUD, 1917-1920/2010).
Os pensadores citados retratam um analista continente, que irá caminhar junto nesta descoberta de si mesmo, para identificar não o certo ou o errado, mas o que se faz necessário ao analisando, para sua construção e realização de si mesmo. Torna-se propício volver ao conceito de Klein (1957-1974) a respeito de a importância da presença e, consequentemente, a ausência da mãe na primeira infância. O instante em que a criança deve esperar pela saciedade da fome, pelo “estar acolá” da figura materna e todo o ambiente proporcionado por ela.
Está ausência é o tempo saudável, imprescindível, ecúmeno, e que se fará necessário na configuração analítica. Não se discursa acolá o desamparo, mas as ocasiões adequadas para que o analisando reflita a partir desta ausência. Relembrando ou construindo experiências em que logo, empós certo tempo, possa sentir (recordar) os cuidados da análise e, por fim, simbolizar todo processo analítico.
Simbolizar é remeter-se ao real na ausência deste (KLEIN, 1967-1970). Constitui-se “daquilo que permite estar ligado ao ausente” (MARTINO, 2012, p. 43). Só podemos simbolizar quando estamos suficientemente protegidos, confiantes de que o real volverá para nos acolher. Winnicott (1979-2007, p. 34) acrescenta que “a capacidade de ficar só depende da existência de um objeto bom na realidade psíquica do indivíduo”.