O ciúme é um importante
sentimento para o indivíduo em sua tenra infância, e tem uma atribuição
respeitável para psicanálise, nos primórdios do desenvolvimento do sujeito. O
que nos revela que sua configuração e efeitos no sujeito dependem da estrutura
que o sustenta. O ciúme tem a característica de ser um estado emocional por
despertar a percepção de uma possível ameaça a um vínculo ou posição de valor,
que produz comportamento que se dispõe a liquidar com essa ameaça.
A partir desta
perspectiva, percebemos que dentre as emoções humanas, o ciúme é um sentimento
comum e deveras importante no desenvolvimento do indivíduo e entre os tipos de
ciúme, o patológico é um sentimento que tem despertado uma visibilidade de
grande proporção e que mereça uma maior atenção em seu manejo na
contemporaneidade.
A motivação que gera o
comportamento ciumento nasce das relações de junções tríade: pensamentos, emoções e ações, movido por um
objeto ameaçador ou a particularidade do vínculo com esse objeto desejado e
invejado. O indivíduo enciumado age no intuito de preservar a si mesmo, a
partir da castração do objeto desejado e invejado em que está veiculado.
Pode-se dizer que o sujeito-ciumento-invejoso não podendo se tornar o objeto
desejado, tende a destruí-lo parcialmente, para que esse objeto-desejado não
seja capaz de se sustentar sem sua presença.
Como podemos perceber, o
ciúme se configura de variadas formas. Por ser uma manifestação afetiva muito
comum, traz consigo uma dificuldade na compreensão de sua configuração entre
ciúme clássico e patológico.
Para melhor
esclarecimento, a diferença entre o ciúme clássico e o patológico é simples. O
primeiro se refere a busca do sujeito em preservar os vínculos, já no segundo,
se refere a busca do sujeito em satisfazer a si mesmo, na tentativa de
aniquilar o desejo do outro: apenas o indivíduo enciumado que pode ser desejado
e ter o seu desejo realizado. É desta forma, que cria em sua mente, um enredo
para justificar externamente as suas frustrações e preocupações com a possível
perda do objeto desejado.
Entende-se o ciúme, no
senso comum, como uma disposição de domínio, emaranhado com o outro, no outro.
Mas, de acordo com nossas reflexões de ciúme, podemos notar que essa
classificação se encaixa melhor na posição de ciúme patológico. Devido a
vontade de possuir, a ausência de confiança, identificação com o melancólico. Essas
características dificultam a relação conjugal ou relação com outras pessoas da
sociedade.
É interessante citar
aqui, o escritor e psicanalista contemporâneo Green (1988), que descreve essa
figura materna como ausente e propulsora das identificações do sujeito com o
melancólico, com a dificuldade de elaboração de frustrações, na problemática em
se relacionar com o outro ou de percebê-lo como sujeito subjetivo, imponderado
de um outro universo além do sujeito de ciúme patológico.
O universo do indivíduo
ciumento não consegue ser capaz de distinguir imaginação, fantasia e realidade.
Tudo se mistura, sem espaço para percepção consciente. No entanto, quando
ocorre essa percepção consciente, o ciumento de grau patológico nega e se
retraí, na tentativa de buscar formas para se reestruturar internamente. O que
o ciumento patológico procura é o controle total dos sentimentos, da atenção e
do comportamento do outro.
No ponto de vista de
Lacan (1988) o desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não
tanto porque o outro detenha as chaves do objeto desejado, mas porque seu
primeiro objeto (do desejo do homem) é ser reconhecido pelo outro. Se o
ciumento patológico não conseguir ser reconhecido por ser o que é, o fará de
forma forçada, na tentativa de se impor como sujeito a ser desejado por aquele
em que ele projetou seu desejo.
Para Melanie Klein
(1957), define a inveja e a distingue da voracidade e ciúme através da ação dos
diversos mecanismos de defesa e das relações de objeto. Na gratidão a autora
descreve ser um sentimento impulsionador do desejo de retribuir a satisfação (o
seio materno, fonte de prazer) conseguida e leva à separação, permitindo também
as sublimações.
Se entendemos que o
ciúmes clássico é uma forma de sentir ameaçado por investidas externas, e que
essa ameaça impulsiona o sujeito ciumento a nutrir o vínculo na intenção de
preservar. Na inveja excessiva intrínseca no sujeito ciumento patológico, leva,
habitualmente, à dissociação das partes consideradas más, com as consequentes
divisões que sofre o ego, podendo causar mesmo verdadeira fragmentação. No
inverso, a integração inesperada dos aspectos invejosos desconexos pode ter
como consequência a manifestação de crises psicóticas, que são respeitáveis no
discurso do tratamento psicanalítico.
De fato, dentro da
perspectiva psicanalítica, é difícil vencer certos pontos cruciais dos laços
vivenciados, representado pelo aproveitamento e melhoras reais obtidas pelo
sujeito dentro do vínculo, pois este, devido à excessiva inveja que sente do
par amoroso, se desfaz logo do alívio e das melhoras alcançadas.
Em Melanie Klein (1957),
com a regressão e a piora que a seguir se instala, não só diminui sua inveja
como também expia a culpa correspondente. Na dupla amorosa, o sujeito
ciumento-invejoso sentirá extrema dificuldade em sentir satisfeito com sua
posição positiva dentro da relação. De sorte, para evitar a inveja do par
amoroso, os progressos realizados, para serem bem aceitos, devem ser lentos e
graduais. É aqui que a análise entra, na tentativa de levar o sujeito
ciumento-invejoso a busca de reconhecer a sua condição de invejoso, para
futuramente, de forma gradual, reconhecer a gratidão que venha a se instalar.
Levando em conta, ser uma tarefa muito difícil aceitar o alívio, felicidade e
bem-estar porque está implícita a necessidade de poder expressar gratidão.
A gratidão, inveja e
ciúme são sentimentos difíceis de elaboração e, ainda mais, de serem
identificados e compreendidos em nós mesmos, de maneira especial quando
considerados em sua grandeza, significação e profundez exatas.
Para Melanie Klein
(1957), mesmo a gratidão – que é baseada em sentimentos amorosos – é com
facilidade confundida com o que se nomeia de “falsa gratidão”. Esta, ao invés
de estar ligada à confiança e aceitação do bom objeto, bem como do
reconhecimento do que dele se recebeu e à necessidade de retribuir a
gratificação obtida, é primariamente um procedimento que tenta manter controlado
o objeto, considerado perseguidor, através do seu aplacamento por meio de
conduta aparentemente adequada e oferendas.
De tal modo, talvez o
fato que acabara de ser mencionado pode se fundar em um exemplo das robustas
resistências em focalizar este tema emocionalmente tão envolvente para todos,
tanto para o sujeito ciumento como para o par amoroso.
Podemos utiliza de uma
fábula para elucidar o funcionamento da psique daquele que vivencia
veementemente o sentimento de inveja, aqui no caso o ciumento patológico. A fábula narra a história de certa ocasião,
em que um homem extremamente invejoso de seu vizinho, recebe a visita de uma
fada, que lhe dá a possibilidade de realizar um único desejo, então disse a
fada ao homem: peça o que desejar, desde que seu vizinho receba em dobro. O
invejoso em seguida respondeu, quero que lhe arranque um olho.
A moral da fábula é
nítida, o prazer do ser humano em ver o seu próximo se prejudicar prevalece
sobre qualquer desejo de benefício pessoal, embora seja uma satisfação pessoal
de ver o outro sofrer. Não é preciso ir muito longe, na perspectiva do pensar,
para chegar à conclusão da psicanalista Klein (1974) de que a inveja é uma
característica poderosíssima na erosão das raízes do sentimento de amor e
gratidão, de modo a afetar a relação mais ancestral de todas, a relação com a
figura materna. A veridicidade radical da manifestação da inveja é o seu
impulso destrutivo, por levar o sujeito a incidir e destruir o objeto bom, cujo
a introjeção é o alicerce do funcionamento psíquico. Esse afeto, por nem sempre
ser consciente, inibe a assimilação de experiências boas e, deste modo, a
possibilidade de integração com a psique.
De acordo com a autora, a
inveja não é produto da decepção ou frustração, ela é parte da vida psíquica do
sujeito desde a tenra infância independente das atitudes da figura materna e do
seu ambiente oferecido. Pelo adverso, a inveja emana do próprio sujeito, sendo
sentimento endógeno. Em contrapartida, para Winnicott (1971), a inveja é fator
secundário, proveniente de uma falha na elaboração do ambiente, sendo a relação
mãe-bebê fator primordial para acolher o sentimento de inveja da criança,
contribuindo para uma boa resiliência do sentimento de inveja.
Para Martino (2015), o medo de perder é filho
do desejo de posse. O que nos revela que o sujeito enciumado só aprenderá a
reconhecer a realidade somente depois de experimentar a sensação de que essa
realidade é uma extensão de seu desejo. Freud (1821) traz uma realidade interessante:
“se nós mesmos não podemos ser os favoritos, pelo menos ninguém mais o será”,
“só ama o outro quem ama a si mesmo; só ama a si mesmo quem foi amado pelo
outro”. Em outras palavras, o sujeito enciumado inseguro de si mesmo troca
aquela coisa que mais tem habilidade por aquilo de que não é capaz.
Tal reflexão faz alusão
ao pensamento de Bion (1967) em que traz a proposta de realidade última, que
depende funcionalmente da capacidade de tolerar frustrações. Para o intolerante
(o ciumento), é melhor não ver, não saber. Essa tolerância só é obtida em dois
momentos, no primário, com a figura materna e no secundário, com a figura
analista. A primeira tende a ser menos árdua que a segunda, por tratar-se de
uma demanda interna maior, para elaboração do sujeito.
Parabéns Maicon excelente conteúdo sobre sentimentos que faz parte da nossa vida e saber diferencia-los é importante para que possanos nos compreender melhor. Sucesso para você!!! Abraço
ResponderExcluirTexto maravilhoso. Continue publicando, estou acompanhando o blog. Já coloquei em favoritos.
ResponderExcluirAbraço.
Excelente,goste muito.
ResponderExcluirMuito bom, excelente
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