A
trajetória de nós seres humanos, não é simplificada, justamente por oferecer um
caminho de infinitas possibilidades, com conservas culturais e zonas de
conforto idealizadas pela própria sociedade, que ofusca à visão do indivíduo
frente a si mesmo, no enfrentamento de suas próprias adversidades.
Metaforicamente, o desamparo é um
amor sequestrado, que leva o indivíduo às angústias vinculadas à perda do seio
materno, que faz alusão ao luto, numa textura de cor escura, preta como a
depressão grave e branco como os estados de vazio. O que conduz a refletir a
respeito, que o desmame precisa ser contemporâneo à apreensão da figura materna
quanto objeto total e implica que o processo de desligamento do cordão umbilical
simbólico, entre a criança e a figura materna tenha se realizado de forma
saudável.
A
separação saudável deve dar lugar à criação de uma mediação para paliar os
efeitos traumáticos da ausência e elaborar a integração no interior do ego da
criança. Essa mediação constitui subjetivamente o quadro materno como estrutura enquadrante, em outras palavras, a imaginação da criança simboliza
a figura materna internamente, possibilitando lidar com o mundo externo.
A
partir dessa agudeza, quando o processo de rompimento, que deveria ocorrer
naturalmente no tempo em que a criança se sentisse suficientemente acolhida,
segura e confiante para buscar novos objetos de interesse, torna-se uma
passagem incompreensível e traumática, levando à criança a eliminar a figura
materna que estava em processo de simbolização, introjetando uma mãe morta à
sua vida psíquica.
Na
perspectiva de Green (1988), o afastamento e falta de interesse materno, surge
uma perda de sentido que regerá a criança a assumir medidas drásticas, como
desenvolver indiferença ante o mundo externo e identificação inconsciente com a
mãe melancólica, desenergizada. A estrutura do complexo de mãe morta nos revela
uma característica do funcionamento psíquico, quando o retrato interno que
estrutura o narcisismo – partindo da gradativa separação materna – não se
manifesta, pela ausência da mãe, a vida psíquica se transforma em uma lacuna,
vazio impreenchível.
O que
fortalece a reflexão de que a ausência de composição de um pano de fundo que
suporte as representações e simbolizações abandona a criança à mercê de um
mundo constituído de objetos internos peculiares e sem vida que não podem se
vincular entre si e preencher o seu mundo afetivo. Nas palavras de Simon (1933,
p.73):
“Conforme mudam as relações do objeto, mudam os conteúdos
da angústia e mudam os mecanismos de defesa. É claro que, entre todas as
condições, é a capacidade do ego de tolerar angústia que vai determinar sua
possibilidade de estabelecer relações com o objeto total” (SIMON, 1933, p.73).
Diante
dessas premissas, percebe-se que desde o nascimento até o segundo terço do
primeiro ano de vida, a libido (interesse) da criança se concentra quase que
exclusivamente na figura materna. No entanto, as consequências da ausência do
vínculo da figura paterna são tão mais graves quanto à ausência da figura
materna.
Das
contribuições de Martino (2012, p. 66):
A presença do pai, a princípio, se
faz importante enquanto ideia no interno da figura materna, entretanto essa
experiência simbólica carece do encontro com o “outro real”. Não se pode criar
uma imagem interna sem um representante no mundo externo (MARTINO, 2012, p.
66).
Na
clínica, o indivíduo poderá reviver esse complexo de mãe morta, na tentativa de
reorganizar o seu mundo interno. Para isso, é importante que o analista seja
continente, vivo e atento à dor interna que o paciente traz. Entende-se que um
analista morto que não é capaz de ser continente também não será capaz de
receber conteúdo algum trazido pelo analisando. Acolher o conteúdo coincide com
receber a demanda do que no real compete ser ensinado, para levar a idealização
fragilizada com a mãe morta, para uma compreensão simbólica de uma mãe que,
dentro da sua capacidade, pode proporcionar certa afetividade, por mínimo que
tenha sido (MARTINO, 2011).
A
psicanálise, norteadora da reflexão até nesta ocasião, não oferece uma resposta
finda, mas encoraja o pensar, que é primordial, para que o analista não se
torne um analista morto: “por mais tentado que possa se sentir o analista a se
tornar o educador, o modelo e o ideal de seus pacientes, qualquer que seja o
desejo que tenha de moldá-los à sua imagem, ele precisa lembrar-se de que esse
não é o objetivo que procura atingir na análise e até de que fracassará em sua
tarefa entregando-se a essa tendência” (ZIMERMAN, 2004, p.86).
Por mais
que as técnicas e métodos de intervenção sejam eficazes, nada pode sobrepujar o
contato de uma alma humana com outra alma humana (JUNG, 1961-1975). O que nos revela
que não basta dominar as técnicas se não existir a “presença sensível” do
terapeuta: estar atento ao que acontece nas sessões e corroborar com o cuidado
para que a genealogia criativa de cada paciente se estenda. O que a psicanálise
se propõe em análise é privilegiar a singularidade de cada analisando e o
pundonor de seu sofrimento.
Torna-se propício volver ao conceito de Klein (1957-1974) a
respeito de a importância da presença e, consequentemente, a ausência da mãe na
primeira infância. O instante em que a criança deve esperar pela saciedade da
fome, pelo “estar acolá” da figura materna e todo o ambiente proporcionado por
ela.
Está ausência é o tempo saudável, imprescindível, ecúmeno,
e que se fará necessário na configuração analítica. Não se discursa acolá o
desamparo, mas as ocasiões adequadas para que o analisando reflita a partir
desta ausência. Relembrando ou construindo experiências em que logo, empós
certo tempo, possa sentir (recordar) os cuidados da análise e, por fim,
simbolizar todo processo analítico.
Simbolizar é remeter-se ao real na ausência deste (KLEIN,
1967-1970). Constitui-se “daquilo que permite estar ligado ao ausente”
(MARTINO, 2012, p. 43). Só podemos simbolizar quando estamos suficientemente
protegidos, confiantes de que o real volverá para nos acolher. Winnicott
(1979-2007, p. 34) acrescenta que “a capacidade de ficar só depende da
existência de um objeto bom na realidade psíquica do indivíduo”, caso esse
indivíduo tenha identificado com a mãe morta, poderá, na análise, reorganizar
esse objeto, dando um novo sentido ao enfrentá-lo e observar com o olhar de
reconhecimento.
A
perspectiva traz à baila a figura paterna, que se estiver presente e quiser
conhecer o próprio filho, esta é, certamente, uma criança de sorte e nas
circunstâncias mais felizes o pai enriquece, de maneira abundante, o mundo do
próprio filho.
Desta
maneira, completamos com Winnicott (1957/[1979], p.130): “quando o pai e a mãe
aceitam facilmente a responsabilidade pela existência da criança, o cenário
fica montado para um bom lar”.
Este
vínculo de afeto, onde afeta e se é afetado pelo outro, pode auxiliar o
indivíduo em seu trajeto, no trato de si mesmo. Em concordância de que uma das
coisas que a figura paterna suficientemente boa faz pelos filhos é estar vivo e
continuar vivo durante os primeiros anos das crianças. O valor desse simples
ato é suscetível de ser esquecido. Mas que serão forças pulsantes para que o
indivíduo transforme de dependente a um ser independente, capaz de se
relacionar consigo mesmo e com o outro.
Embora
seja natural que os filhos idealizem seus pais, é também muito valioso, para os
primeiros anos, ter a experiência de conviver com eles e de conhecê-los como
seres humanos, até o ponto de os descobrirem.
Como
percebemos, a criança traz angústia das quais, a mãe, mesmo abalada pela
situação, deve velá-lo. O pai suficientemente bom, por sua vez, sente e
participa da mesma dor, que inunda esse complexo processo, tentando elaborar os
sentimentos invejosos gerados pela atenção da companheira, que se desloca dele
para criança.
O
indivíduo quando desinvestido motiva uma ferida interna, um buraco afetivo na
relação com a figura materna e se repetirá, posteriormente, na incapacidade do
sujeito de estabelecer e sustentar vínculos afetivos satisfatórios. Mas a
psicanálise traz a possibilidade de repensar esse vínculo, dando possibilidade
de pensá-lo e reorganizá-lo junto com o analista, para que o analisando possa
energizar sua alma e reconhecer as novas formas de viver com essa dor interna.
Assim
para que uma mãe não se torne uma mãe morta, será necessário que a figura
paterna se faça um ambiente suficientemente bom, vivo, amando e confortando
todos os medos e frustrações da mãe no cuidado com o bebê. Só assim, poderá se
fazer um lar adequado para que a criança desenvolva toda sua potencialidade,
tornando um adulto com um inconsciente mais próximo a realização.
A
psicanálise propõe trazer à consciência aquilo que reprimimos, ou seja, tudo
aquilo que nos traz incômodo e desprazeres (FREUD, 1917-1920/2010). Mas não se
trata de masoquismo, e sim de uma maturidade emocional necessária à elaboração
dos conflitos mais íntimos de nosso ser.
É preciso capacidade e coragem de sofrer e
entristecer-se para pôr fim transformar conteúdos vazios de significado em
conteúdos que nos ajudem a suportar a falta de nossa satisfação, uma vez que,
nem sempre nossos desejos serão realizados.
Por
um caminho de amor, pelo afeto, cuidado e sensibilidade à vida, podemos amadurecer
de forma segura, ainda que com angústias, a título de encontrarmos quem
verdadeiramente constituímos e aprendermos a valorizar e reconhecer nossa
subjetividade.
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