A idealização deste texto traz à baila a tentativa de
compreender sobre como o analista/psicoterapeuta seja de qual linha for, está
contribuindo para auxiliar os pais, tios, avós ou cuidadores, nessa tarefa
árdua de “preparar” os filhos, netos, afilhados, sobrinhos na sua construção de
si mesmo, examinando o crescimento em termos de dependência, transformando
gradualmente no sentido à independência.
Seguramente, às mudanças pelas quais a imaturidade cede
lugar à maturidade em termos de progressão na vida instintiva do indivíduo, está
totalmente intrínseco à fase oral e à anal, à fálica e à genital e, do mesmo
modo. O crescimento emocional em termos
da jornada do indivíduo da dependência à independência, em epítome, é um tanto
que arriscado na contemporaneidade.
A psicanálise sempre ponderou sobre a importância da
presença materna na constituição do eu da criança. Embora, bem se faz verdade,
que a psicanálise nunca culpabilizou a mãe por não ser capaz de ser
suficientemente boa.
Freud (1923) reflete que para amar é preciso ser amado e,
consequentemente, acrescenta Winnicott (1979), que para que a mãe seja
suficientemente boa, precisará ter experiência sobre esse âmbito. Em Introdução ao Narcisismo (1914), Freud
inova ao ir além, quando retrata que sua parte mais importante do narcisismo,
pode ser isolada sob a forma do ‘complexo de castração’ (nos meninos, a
ansiedade em relação ao pênis; nas meninas, a inveja desse pênis) e tratada em
conexão com o efeito da coerção inicial da atividade sexual.
Dependendo do ambiente que a figura paterna, proporciona para
a figura materna, dará subsídios para que a criança consiga sentir essa mãe
viva e possa vivenciar o processo de castração de forma sadia.
Freud (1914) faz certa discussão sobre o amor próprio no
indivíduo normal e no neurótico:
“O
amor-próprio nos aparece de imediato como expressões da grandeza do Eu, não
sendo aqui relevante o caráter composto dessa grandeza. Tudo o que se tem ou
que se alcançou, todo resíduo do primitivo sentimento de onipotência que a
experiência confirmou, ajuda a aumentar o amor-próprio” (FREUD, 1914, p. 45).
Em consonância com o autor, temos
que reconhecer para o amor-próprio uma dependência bem íntima da libido
narcísica. Apoiando-se em dois fatos fundamentais: o de que nas parafrenias o
amor-próprio é aumentado, nas neuroses de transferência é diminuído; e de que
na vida amorosa não ser amado rebaixa o amor-próprio, enquanto ser amado o
eleva. Em alusão à reflexão de Freud (1914) ser amado representa o objetivo e a
satisfação na escolha narcísica de objeto.
Se jazermos de acordo até nesta
ocasião, então tenderemos a refletir que o bebê viverá a experiência que o conduzirá
ao reconhecimento do “outro” e, posteriormente, a sua importância. Deste modo,
Martino (2012) acrescenta:
“O
bebê só admitirá que existe alguém além dele mesmo no mundo se sentir muito
seguro com esse “outro alguém”, além dele. Passa então a desenvolver o que
chamaríamos de amor narcísico. Na realidade só admitirá o outro se o outro for
para ele um espelho. No narcisismo primário, ele se vê no outro (mãe). Nesse
modelo, ele é (deve ser) o desejo da mãe: ‘ela vive para e por mim’” (MARTINO,
2012, p.64-5).
Voltando ao texto Introdução ao
Narcisismo (1914), Freud distinguiu duas formas da libido: a libido do ego ou
libido narcísica; e a libido do objeto, que é dirigida ao mundo externo, onde
se encontra o objeto, fixando-o, abandonando-o ou passando de um objeto para o
outro (modelo analítico de ligação). A segunda permite maior observação e
estudo, enquanto a primeira se faz oculta, por se tratar de um processo
interno.
“As relações do
amor-próprio com o erotismo (com investimentos de objetos libidinais) podem ser
apresentadas, concisamente, da maneira que segue. Em ambos os casos é preciso
destinguir se os investimentos amorosos estão em sintonia com o Eu ou se, ao contrário, experimentaram uma
repressão. No primeiro caso (em que a
utilização da libido é sincronizada com o Eu), amar é visto como qualquer outra
atividade do Eu. O amar em si, enquanto ansiar, carecer, rebaixa o
amor-próprio, e ser amado, achar amor em troca, possuir o objeto amado, eleva-o
novamente. Sendo a libido reprimida, o investimento amoroso é sentido como
grave diminuição do Eu, a satisfação amorosa é impossível, o reenriquecimento
do Eu torna-se possível apenas retirando a libido dos objetos. O retorno da
libido objetal ao Eu, sua transformação
em narcisismo, representa como que um amor feliz novamente e, por outro lado,
um real amor feliz corresponde ao estado primordial em que libido de objeto e
libido do Eu não se distinguem uma da outra” (FREUD, 1914, p. 47-8).
Para a teoria psicanalítica o termo “objeto” é qualquer
pessoa ou coisa do mundo externo, que tem importância psíquica (investimento
libidinal) para o sujeito podendo ser animadas ou inanimadas. A atitude do
sujeito para com o objeto é designada “relações de objeto”. A energia psíquica
– libido – busca no mundo externo um modelo em que se ligar e esse modelo
nomearemos de objeto. Quando essa energia encontra o objeto, o que era simples
libido livre torna-se então cartexia.
A criança, nos primórdios da vida, ainda não é capaz de
distinguir os objetos de si – identificação, no entanto, essa capacidade será
adquirida nos primeiros meses de seu desenvolvimento. Para Martino (2012), a
erotização, já presente, se faz de uma forma designada autoerotismo (amor-próprio).
Na busca pelo objeto, se dá o desenvolvimento da libido. A
personalidade se organiza em torno de zonas erógenas, com vivencias e sensações
muito especificas. Uma área do corpo físico que fica especificamente disposta
para o contato com o outro. As zonas erógenas concentram um elevado grau de
excitação. Cada fase deste desenvolvimento é acompanhada de uma orientação
libidinal, que se desloca pelas zonas do corpo, até que se desenvolva e
concentrem-se predominantemente nos órgãos genitais, para assim se encontrar
sob a influência da função reprodutora.
Nas reflexões de Martino (2012) a predominância das zonas
erógenas se modifica ao longo do desenvolvimento caracterizando fases. São
tentativas de ligação com os pais, inicialmente com a figura materna (objeto),
de quem fisicamente se desligou há pouco tempo.
Percebe-se que desde o nascimento até o segundo terço do
primeiro ano de vida, a libido (interesse) da criança se concentra quase que
exclusivamente na figura materna. Entretanto, as consequências da ausência do
vínculo da figura paterna são tão mais graves quanto a ausência da figura
materna. Partindo das contribuições de Martino (2012):
“A
presença do pai, a princípio, se faz importante enquanto ideia no interno da
figura materna, entretanto essa experiência simbólica carece do encontro com o
“outro real”. Não se pode criar uma imagem interna sem um representante no
mundo externo” (MARTINO, 2012, p. 66).
O papel da figura masculina, no caso, a paterna, é tanto
mais importante quanto à feminina, materna. A resposta para essa reflexão,
segundo Winnicott (1979) é clara, o pai precisará ser um ambiente
suficientemente bom para essa mãe, para que assim, ela possa ser ambiente
suficientemente bom para o bebê. Na ausência da figura paterna nesse ciclo de
construção, trará grande demanda psíquica para a figura materna, que pode não
suportar vivenciar toda essa experiência sozinha.
O pleito interno é muito amplo para que a mãe possa
suportar frustrações no cuidado com essa criança, sem as contribuições e
auxílio do ambiente seguro da figura masculina, paterna. Quando se cogita neste
trabalho sobre a mãe morta, retratamos, justamente, não só a ausência desta
mãe, mas figura-se um retrato tríade: o pai, que possa ser um ambiente para a
mãe, para que essa possa então ser um ambiente de extensão para o bebê, quando
iniciar sua aventura no rompimento do cordão umbilical.
Faz-se exclusivo, citar novamente, o grande pensador e
psicoterapeuta contemporâneo Martino (2012), visto que sua teoria se sustenta
no âmbito de pensar os vínculos fraternos da família. E, se confiarmos em Martino
sobre a base dos vínculos, chegaremos ao seguinte pensar:
“É
de extrema importância que, ao se arriscar nesse abismo chamado bebê, a mãe
conte com um alguém (marido/pai) que mantenha a mão seguramente dada. De outra
forma existirá sempre um grande risco de se perder nesse abismo. A mãe e o bebê
se confundem, e essa importante experiência da discriminação entre um e outro
só pode ocorrer com a entrada de mais alguém (o pai) na relação” (MARTINO,
2012, p.66).
É a partir dessa perspectiva do autor, que podemos supor,
que dessa tríade que a mãe buscará a resposta para o viver, ou a confirmação da
existência: “Sou amada”, já que o bebê ocupa uma posição incapaz de retribuir o
amor dessa mãe, uma vez que ele e a mãe são um só, nesse primeiro momento da
vida. De tal modo, a presença da figura paterna é justamente o que conduzirá a
qualidade de vínculo com o objeto – a mãe.
Em Winnicott (1957/[1979]), destrinça as diversas maneiras
em que o pai é valioso no vínculo triangular e, posteriormente, na vida social:
“A
primeira coisa que quero dizer é que o pai é preciso em casa para ajudar a mãe
a sentir-se bem em seu corpo e feliz em seu espírito. Uma criança é realmente
sensível às relações entre seus pais e se tudo correr bem entre as paredes do
lar, por assim dizer, a criança é a primeira a mostrar seu apreço por encontrar
a vida mais fácil, mostrando-se mais contente e mais dócil de conduzir. Suponho
ser isso o que uma criança entenderia por ‘segurança social’” (WINNICOTT, 1957/[1979],
p.129).
O quatro reflexivo que o autor faz menção traz à baila,
outras contribuições, que juntas enriquecem ainda mais o pensar. A união sexual
de pai e mãe, de acordo com Winnicott (1957/[1979]), fornece um possível fato
concreto em torno do qual a criança poderá construir uma fantasia, uma rocha a
que ele se pode agarrar e contra a qual pode desferir seus golpes; e, além
disso, fornece parte dos alicerces naturais para uma solução pessoal do
problema das relações triangulares. Quando esse processo não ocorre de modo
satisfatório e saudável, conduz à díade pai-mãe para construção maciça da mãe morta,
em que negligencias do pai, podem causar danos significativos na mãe, no
cuidado com o bebê.
Para Winnicott (1957/[1979]), a segunda maneira em que o
pai pode ser valioso é:
“O
pai ser necessário para dar à mãe apoio moral, ser um esteio para a sua autoridade,
um ser humano que sustenta a lei e a ordem que a mãe implanta na vida da
criança. Ele não precisa estar presente todo o tempo para cumprir essa missão,
mas tem de aparecer com bastante frequência para que a criança sinta que o pai
é um ser vivo e real. Grande parte da organização da vida de uma criança deve
ser feita pela mãe, e os filhos gostam de sentir que a mãe pode dirigir o lar
enquanto o pai não está realmente nele” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.129).
Assim sendo, com efeito, toda figura feminina, tem de
encontrar-se apta a falar e agir com autoridade; contudo se tiver de ser tudo
no lar e tiver de prover todo o elemento de fortaleza ou rigor na vida dos
filhos, a par do amor, padecerá sobre seus ombros um fardo deveras enfadonho. Além
do mais, é muito mais simples para as crianças estarem capazes a contarem com
duas figuras paternas; uma dessas figuras pode ser encarada como a conservação
do amor, enquanto que a outra é detestada, e isto funda, em si, uma influência
estabilizadora.
Em concordância ao escopo de Winnicott (1957/[1979]), quando
vemos uma criança agredir a socos e pontapés a mãe, concluímos que, se o marido
a estivesse apoiando, a criança provavelmente quereria agredir o pai e, muito
possivelmente, nem sequer tentaria coisa alguma.
“A
criança está constantemente predisposta a odiar alguém e se o pai não estiver
presente para servir-lhe de alvo, ela detestará a mãe e isso confundi-la-á,
visto ser à mãe que a criança mais fundamentalmente ama” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.130).
A terceira reflexão de Winnicott (1957/[1979]), na
importância do pai no vínculo triangular é que a criança precisa da figura
paterna por causa das suas qualidades positivas e das coisas que o distingue de
outros homens, bem como da vivacidade de que se reveste a sua personalidade. Durante
o momento primário de vida, quando as impressões são vividas, é a ocasião
adequada para que a criança esquadrinhe conhecimento com a figura paterna, se
isso for possível.
“Uma criança buscará à sua volta o
pai, quando tiver apenas alguns meses de idade, estenderá para ele os braços
quando o vir entrar no quarto e escutará seus passos [...] gradualmente
consentirá que o pai se converta numa pessoa muito importante em sua vida.
[...] quererá saber como ele realmente é, ao passo que [...] usará o pai como
alguém que serve de incentivo à imaginação, dificilmente o conhecendo como
todos os outros o conhecem” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.130).
A perspectiva do autor revela que se o pai estiver presente
e quiser conhecer o próprio filho, esta é uma criança de sorte e nas
circunstâncias mais felizes o pai enriquece, de maneira abundante, o mundo do
próprio filho. Desta maneira, completa Winnicott (1957/[1979], p.130): “Quando
o pai e a mãe aceitam facilmente a responsabilidade pela existência da criança,
o cenário fica montado para um bom lar”.
Confluímos com o complemento da reflexão de Winnicott (1957/[1979]:
“Conheço
uma menina e um menino que pensaram estar passando um tempo maravilhoso, na
última guerra, quando o pai deles estava no exército. Viviam com a mãe numa
casa com um belo jardim e tinham tudo o que era preciso, até mais. Por vezes,
caíam num estado de organizada atividade anti-social e quase demoliam a casa
toda. Agora, quando olham para trás, podem ver que essas explosões periódicas
eram tentativas, inconscientes nessa época, para forçarem o pai a aparecer em
pessoa. Contudo a mãe conseguiu percebê-las e dominar a crise, apoiada pelas
cartas que recebia do marido; mas podemos bem imaginar quanto ela ansiou por
tê-lo em casa a seu lado, para que pudesse ocasionalmente respirar aliviada,
enquanto o pai ordenava às crianças que fossem dormir” (WINNICOTT, 1957/[1979], p.130-1).
Como percebemos, a criança traz angústia das quais, a mãe,
mesmo abalada pela situação, deve velá-lo. Para Martino (2012) o pai
suficientemente bom, por sua vez, sente e participa da mesma dor, que inunda
esse complexo processo, tentando elaborar os sentimentos invejosos gerados pela
atenção da companheira, que se desloca dele para criança.
Assim para que uma mãe não se torne uma mãe morta, será
necessário que a figura paterna se faça um ambiente suficientemente bom, vivo,
amando e confortando todos os medos e frustrações da mãe no cuidado com o bebê.
Só assim, poderá se fazer um lar adequado para que a criança desenvolva toda
sua potencialidade, tornando um adulto com um inconsciente mais próximo a
realização.
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