29.1.19

SOBRE A VIDA: PACIÊNCIA, OBSERVAÇÃO E TEMPO



Na relação da construção de laços afetivos consigo mesmo e, consequentemente, com o outro necessitam de um pouco mais de calma, paciência. Mesmo que a vida não pare. O tempo vive a acelerar, mesmo que debrucemos em carne, osso e pele para que a vida seja um pouco menos caótica, ou pouco mais leve. Lenine em sua letra-canção diz: um pouco mais de paciente, um pouco mais de alma...a vida não para, a vida é tão rara.

A gente espera do mundo e o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência, ainda acrescenta Lenine. O corpo vive nos pedindo uma conciliação com a alma [ um dos nomes do Inconsciente]. Não é nada fácil sustentar uma vida, ela é rara e singular à cada sujeito, mesmo que partilhada em alguns momentos de existência. 

Os laços mais difíceis e trabalhosos são os que não podem ser rompidos sem deixar um rasgo e uma ferida que jamais poderá ser cicatrizada por completo. Lembro-me numa visita a um hospital, em que me vestia de jaleco branco com cara pintada e nariz de palhaço, fiz um homem com uma expressão triste, sorrir. Não ganhei um dia ali, mas algo despertou em mim um vazio insuportável. 

Não sabia ao certo a razão, eu chorei. Ele vendo algumas lágrimas mancharem minha máscara, disse sorrindo: a vida é muito difícil meu jovem. Eu não sei se vou morrer, mas de alguma forma morro aos poucos nessa solidão que eu mesmo criei para mim. O que fazer quando a vida te coloca à prova para refleti-la de forma nua e crua? Faltavam palavras que pudessem representar a imensidão que aquela experiência me provocava. Ainda sinto ela a cada experiência com meus pacientes. 

A vida é uma incerteza, e não há culpados, mas é preciso se responsabilizar pelo que fica, pelo que resta do resto de uma experiência. A minha atitude foi colher o seu sofrimento pela escuta, que naquela época com 15-16 anos, sequer sabia alguma coisa da vida, ou que essa atitude teria algum efeito ou mais ainda, que me esbarraria com a Psicanálise no caminhar do meu percurso.

David Levisky em seu Livro A vida?... É logo ali,Editora Blucher, implica ao escrever: a paciência, a observação e o tempo colaboram para que um e outro descubram a linguagem da relação que poderá ou não ser transformada em códigos sociais de comunicação. A espera de que eles nos compreendam conflita com a nossa incompreensão do que eles necessitam. Isso é desesperador e faz parte do processo de desenvolvimento. Querer alterar o processo é violentar a si e ao outro.

Escrever é um ato de coragem e amadurecimento dos próprios defeitos e qualidades.

Imagem: @gertscheerlinck

8.1.19

ENSAIO SOBRE O HORROR E A BELEZA DE SE DESCOBRIR HUMANO


Quando adolescente, Miguel com frequência fantasiava o amor. A sua primeira maior frustração dolorosa, foi sentir que não era possível segurar quem se ama em seu próprio mundo, e pior ainda, o alívio de não pertencer ao mundo do outro parecia tão frágil que acabava por vezes caindo de joelhos dominado pelo sabor agridoce da sedução de quem endereçava seu amor, ameaçando a sua própria singularidade e o vínculo ali estabelecido. 

Desde garoto sentia-se à margem dos grupos sociais daquela época, não tão distante deste presente. Admirava as bandas ABA, The Police, Prince, Michel Jackson, Queen, Pink Floyd, Madonna e tantos outros artistas que expressavam um desejo de descolamento da realidade possível de fantasiar um mundo outro que pudesse ancorar sua dor e sofrimento em existir. 

A rebeldia queimava seus olhos de desespero por não poder controlar o sentimento de amor que expandia sem limite e denunciava mais de sua falta. Sentia raiva e ódio pelas barreiras que impunham sobre a maneira de como desbravava a si mesmo e ao seu redor. Os erros e as frustrações transformados em lagrimas desobstruíram sua visão. Neste momento descobriu que quem mais impedia o seu crescimento era quem menos esperava, embora sentia no fundo do peito certa dedução a respeito: era ele mesmo. 

Tudo se tornou um pouco menos caótico, mas não mesmo doloroso e angustiante. Acolher e se responsabilizar pelo saber que se revelou e se fez tão verdadeiro, custava grandes perdas, e ele pouco sabia da dimensão da perda, embora tão jovem já tivesse perdido tanto. A partir desse momento algo mudou em seu interior, passou a se espantar pela vida e pelas experiências que o apresentava cada vez mais sobre sua singularidade, que nunca imaginou que lhe pertencia. 

Foi reconhecendo sua falta e o que acontecia de forma indomável, que Miguel pode entender que o outro é importante para que ele pudesse se perceber humano. Embora, tudo em sua vida não dependeria de ninguém, a não ser a ética com o seu desejo. 

Abraços,
Maicon Jesus Vijarva

5.1.19

O ESTILO ORIGINAL DE EXISTIR ESTÁ NA PRÁTICA EM TOLERAR A INCONSTÂNCIA DA VIDA



Desconfio da energia positiva que as pessoas buscam, em palavras, denunciar em gritos ao mundo. Não que seja de todo ruim, mas a vida é tão mais simples, caótica e indomável que se torna impossível e insuportável de sustentar essa eminente ideia utópica de que podemos controlar o que nos acontece em vida. A obviedade da vida é tão básica que chega a cegar, e acaba sendo um disparate acreditar que não podemos ter qualquer poder sobre ela. De modo simples, quando o humano coloca sua mão para modificar em sua literalidade a natureza, muitas vezes desencadeia um efeito reverso drástico à sua própria existência.

Decido a partir desse barulho que me faz dançar em movimentos reflexivos, escrever sobre a minha restrita visão e contribuir de alguma forma com um suposto saber disso que me borbulha à alma. A ideia é a metade de um todo, visto que não existe um todo-saber, mas uma ideia minúscula do que pode se tratar. O estilo original como podemos aprender nos escritos freudianos, lacaniano e essencialmente bioniano, depende da capacidade emocional de cada sujeito em suportar as adversidades da vida. Não sem um preço altíssimo a ser pago.

Acredito ser útil declarar que a repetição é única, por ser um movimento em espiral, e sem ela não somos capazes de transformar a própria vida, desobstruindo o caminho para que sejamos cada vez mais criativos na experiência que se desenvolve à nossa frente. Sempre falta alguma experiência, alguns cafés e muita loucura esquizofrênica para suportar a vida e transformá-la. Essa falta é constitucional, e se faz necessária para que o impossível seja possível de colorir.

Muitas vezes é próprio que se beba o café gelado que deixou esfriar. Não raro, a vida oferece uma experiência repetidas vezes, mas com um gosto não tão mais agradável, que, no entanto, traz consigo uma visão mais amadurecida de nós mesmos. Não nascemos com um manual de instrução. É preciso arregaçar as mangas, e os punhos para quem não tenha mangas, para viver a própria experiência e dar corpo ao próprio estilo original. Para isso é fundamental que cada sujeito em vida, seja capaz de acolher sua própria dor, reconhecendo as próprias ferramentas que possuem para então lançar-se em vida e apostar tudo em si mesmo.

Além dessa constância, é importante que sejamos tolerantes e amáveis com as próprias fraquezas, inseguranças e dificuldades, pois ninguém nasce pronto para aprender a suportar as dificuldades da vida. Não será a primeira e última vez que cada um de nós, humanos, nos sentiremos como um E.T frente aos dissabores que surgem, quando se arrisca em apostar tudo e até mesmo o que não se tem em si mesmo e nos próprios sonhos.

A persistência em trabalhar para desobstruir o caminho, traz uma fluidez para que a criatividade em fazer melhor com a experiência ocorra de forma natural, que se torna impossível de descrever em palavras, por falta de vocabulário. Somente a prática e a tolerância com as inconstâncias da vida farão com que cada sujeito em vida seja capaz de reconhecer e transformar o seu próprio estilo de existir.

É atravessado pela capacidade de ser amável com a própria dor e mazelas que se torna possível intuir e reconhecer a profundeza da experiência de vida dos outros que compartilham a vida conosco. O amor é a experiência que nos leva a uma vida possível de ser vivida.

Grande abraço carinho,
Maicon Vijarva