20.3.16

SOBRE A INVEJA: UMA VISÃO PSICANALÍTICA


Em algum momento da jornada do viver, por ligeiro instante seja, observamos ao nosso redor e nos pegamos em flagrante interrogando sobre certas circunstâncias da vida humana. Por assim ser, reflito, na ocasião, sobre os aspectos da inveja.
Muitos amigos e pessoas do cotidiano articulam em alto grau sobre essa questão tão intrínseca ao humano. Alguns de feitio irônico, outros amedrontados e aterrorizados por não sentir apreço algum sobre o sentimento de inveja.
O apreço que falo é ser capaz de pensar sobre tal sentimento, consciente de que é inato ao ser humano. O psiquiatra e pensador Jung (1983) afirma que a sombra é o que nos torna humanos e que o mal (o não adequado socialmente) é imprescindível para a completa harmonia psíquica.
De acordo com o pensador, fica claro que todos nós temos uma sombra e, quanto menos ela for incorporada, mais intensamente negra e enfadonha ela será, se desenvolvendo em plano inconsciente, com ressentimento reprimido.
Lidar com os aspectos da sombra, pode nos possibilitar a adequada harmonia com os instintos e, com o modo com que as suas manifestações serão controladas por nós coletivamente. É infactível erradicar a sombra, devido seu conteúdo ser projetado de forma intensa e irracional, positiva ou negativa sobre o próximo. Por isso que, em sua essência, admitir a sombra é romper com a influência compulsiva e se abrir ao crescimento de si mesmo. Estes são ensejos que ajudam a tornar o mote inveja um tanto que abstruso e quase sempre pouco compreendido.
Para a psicanálise a inveja, a priori, é um impulso ocasionado pelo ódio, inato ao sujeito, desde a puerícia. Já para a filosofia a inveja é a odiosidade que afeta o sujeito de tal modo, que ele se entristece com a felicidade do outro, e o adverso, se alegra com a infelicidade do mesmo.
Nota-se que o sentimento de inveja cunha impulsos negativos com a intenção de aniquilar ou usurpar os bens de outra pessoa, para abrandar uma pulsão de infelicidade do invejoso. Desta forma, a inveja é o ódio que se energiza, podendo de tal modo ser considerado um sentimento. Este sentimento se intensifica quando o ser humano se sente desestabilizado, devido ao complexo de inferioridade em relação a um ou mais ser humano.
Klein (1882-1960) em seu ensaio Inveja e gratidão (1947) utiliza de uma fábula para elucidar o funcionamento da psique daquele que vivencia veementemente o sentimento de inveja.  A fábula narra a história de certa ocasião, em que um homem extremamente invejoso de seu vizinho, recebe a visita de uma fada, que lhe dá a possibilidade de realizar um único desejo, então disse a fada ao homem: peça o que desejar, desde que seu vizinho receba em dobro. O invejoso em seguida responde: quero que lhe arranque um olho.
A moral da fábula é nítida, o prazer do ser humano em ver o seu próximo se prejudicar prevalece sobre qualquer desejo de benefício pessoal. Não é preciso ir muito longe, na perspectiva do pensar, para chegar à conclusão da psicanalista Klein (1882-1960) de que a inveja é uma característica poderosíssima na erosão das raízes do sentimento de amor e gratidão, de modo a afetar a relação mais ancestral de todas: a relação com a figura materna.
A voracidade radical da manifestação da inveja é o seu impulso destrutivo, por levar o sujeito a incidir e destruir o objeto bom, cujo introjeção é o alicerce do funcionamento psíquico. Esse afeto, por nem sempre ser consciente, inibe a assimilação de experiências boas e, deste modo, a possibilidade de integração com a psique.
De acordo com a autora, a inveja não é produto da decepção ou frustração, ela é parte da vida psíquica do sujeito desde a tenra infância independente das atitudes da figura materna e do seu ambiente oferecido. Pelo adverso, a inveja emana do próprio sujeito, sendo sentimento endógeno. Em contrapartida, para Winnicott a inveja é fator secundário, proveniente de uma falha na elaboração do ambiente, sendo a relação mãe-bebê fator primordial para acolher o sentimento de inveja da criança, contribuindo para uma boa resiliência do sentimento de inveja.
De acordo com esta tese, invejamos o seio materno que nos alimenta e acolhe desde pequenos. A fantasia de que o objeto bom e reconfortante não nos pertence surge acompanhado ao sentimento de impotência. Assim faz-se importante, em epítome, que o indivíduo seja capaz de compreender que a inveja é inata a sua persona, e a aceitação deste sentimento poderá ajudá-lo a evoluir esse sentimento para o reconhecimento e construção de si mesmo, assim o que é do outro, não será mais interessante do que suas realizações, o seu interior.

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