12.3.16

A MÃE MORTA E AS VICISSITUDES DO OBJETO: UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA


A mãe morta de Green (1988) enfatiza a perda do objeto como um momento fundante do psiquismo humano, partilhado pela teoria psicanalítica. Para Laplanche e Pontalis (2001), descreve como um momento:
Mítico, arcaico, perdido, de uma separação que origina o início de um processo em que o funcionamento psíquico passa a ser governado pelo princípio da realidade: “a procura da satisfação já não se efetua pelos caminhos mais curtos, mas faz desvios e adia seu resultado em função das condições impostas pelo mundo externo” (LAPLANCHE E PONTALIS, 2001, p. 368).

Segundo Laplanche e Pontalis (2001), a psicanálise reconhece e, enfatiza, a natureza, o tipo e a qualidade desse cuidado com o recém-nascido, como fundantes do psiquismo humano. Na esfera da teoria psicanalítica, esse momento é reconhecido como onipotência materna, em outras palavras, a mãe influência de forma incisiva a estruturação do psiquismo, destinado a estabelecer inteiramente na relação com outrem.
Winnicott (2005) apresenta em sua obra elementos significativos nesse aspecto. A importância do outro, do mundo externo, estabelece desde os primórdios ao ser humano. A experiência clínica o levou a reconhecer os estádios mais primitivos do desenvolvimento emocional do bebê, antes mesmo de a criança se conhecer a si própria e aos outros. O autor entende humano como:
“Uma função da herança de um processo de maturação e da acumulação de experiências de vida; mas esse desenvolvimento só pode ocorrer num ambiente propiciador. No qual a mãe assume papel preponderante: quando o par mãe-bebê funciona bem, o ego da criança é de fato muito forte, pois é apoiado em todos os aspectos” (WINNICOTT, 2005, p. 27). 

A mãe suficientemente boa, termo cunhado pelo autor, abrange uma tríade de funções: o holding é a capacidade da mãe de se identificar com a criança, sustentando-a psíquico e fisicamente, protegendo-a, de forma equilibrada e constante; o manipular, que facilita a formação de uma parceria psicossomática na criança. Winnicott (2005) contribui para a formação do sentido do real – por oposição o irreal –; oferecer objetos, ou realização, que proporciona à criança a construção do seu relacionamento com o mundo exterior.  
Winnicott (1975) em seu livro, “O brincar e a realidade”, é ainda mais enfático, ao assegurar a imprescindível presença da mãe suficientemente boa, para que o funcionamento psíquico do bebê prospere do princípio do prazer para o princípio da realidade, e deste para a identificação primária e explica:
“A mãe suficientemente boa (não necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração” (WINNICOTT, 19755, p. 25).

De acordo com Winnicott (1975), a mãe suficientemente boa nutre o mundo interno do bebê como um objeto transicional e, como tal, é alocado em uma posição intermediária entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente intuído, permanecendo o bebê em um estado intermediário entre a inabilidade e sua crescente habilidade em reconhecer e aceitar a realidade; e ainda constitui uma área intermediária de experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade interna quanto a externa.
Entretanto Winnicott (1975) nos exorta:
“O objeto não é, em si mesmo, transicional: ele representa uma transição de um estado em que a criança e a mãe estão fundidas para outro estado em que o bebê percebe a mãe como algo externo a ele, ou seja, o ponto em que a criança, pelo crescimento, se liberta de um tipo narcísico de relação com o objeto” (WINNICOTT, 1975, p.30).

O objeto transicional apresenta características especificas: é amado e odiado – necessitando suportar as investidas agressivas do bebê; sendo oriundo ao externo, podendo apenas ser modificado pelo bebê, por ser percebido pelo mesmo como algo de dentro, interno.
No entanto há nessa relação o que Winnicott (1975) nomeia de paradoxo:
“Seu destino – do objeto – é permitir que seja gradativamente descartado, de maneira que, com o curso dos anos, se torne não tanto esquecido, mas relegado ao limbo. Não é esquecido e não é pranteado” (WINNICOTT, 1975, p.18-19).

Winnicott (1975) conecta, então, a saúde psíquica e física – ao tudo correr bem – à adaptação exata (que) se assemelha à magia, e o objeto que se comporta perfeitamente não se torna melhor do que uma alucinação. O que denota descrever que, se o ambiente suficientemente bom leva à integração do eu, em contrapartida − as falhas desse primitivo cuidado − conduz à desintegração, que acarreta uma angústia inimaginável: de rompimento.
Esse rompimento faz alusão a mãe morta de Green (1988), que é representado como a falta de interesse da figura materna em relação à criança, remetendo ulteriormente, na sensação de perda de sentido, apatia e identificação inconsciente com o estado da melancolia, sugerido por Freud (1917).
Green (1988), ao recomendar que as condições adequadas do cuidado materno preparam o psiquismo nascente para a inevitável separação entre a mãe e o bebê, responsável pela extinção parcial do objeto materno como objeto primário da fusão, para dar lugar aos investimentos próprios ao eu, fundadores de seu narcisismo pessoal. O funcionamento do objeto primário está na estrutura enquadrante – o continente, o receptáculo – do eu. Essa estrutura enquadrante, para Green (1990), funciona como uma moldura, um quadro em branco, onde irão se inscrever as representações: “o que é retido da mãe não é uma representação da mãe. Que significa que o bebê dispõe de uma superfície de representação muito mais importante que a própria representação” (GREEN, 1990, p.122). 
Desta forma, como objeto de amor suficientemente seguro, da alucinação da imago materna, nutre a criança, ainda não estando a mãe presente, a satisfação alucinatória do desejo tornando suportáveis a ausência e a espera, afirma Green (1988):
“O apagamento do objeto materno transformado em moldura enquadrante é conseguido quando o amor do objeto é suficientemente seguro para desempenhar esse papel de continente do espaço representativo” (GREEN, 1988, p. 265).

Nessas circunstâncias, esclarece o autor, que esse espaço pode ser preenchido através de fantasias de variados tipos, de modo inclusivo as fantasias agressivas, que não colocará em risco esse continente.  Green (1993) identifica, nesse processo, a presença a tarefa nomeada de alucinação negativa do objeto, que se faz inteiramente necessária – a mãe ou seu substituto: precede e permite a realização alucinatória do desejo, em outras palavras proporciona a transferência da satisfação da necessidade:
“De acordo com o funcionamento psíquico fundado no princípio da realidade: o objeto primário torna-se estrutura enquadrante do Eu, abrigando a alucinação negativa da mãe” (GREEN, 1988, p.265).

Para Green (1993), a alucinação negativa estabelece o conceito teórico que é a precondição de toda a teoria da representação. Esse processo não denota ausência de representação, no entanto, no dizer de Green (1982), a representação da ausência de representação, o reverso – situações de modo contrário ao que se espera, ou se analisa – do que a realização alucinatória do desejo é o inverso – parte frontal de qualquer objeto que exiba dois lados opostos.
De acordo com Green (1993), a alucinação negativa aponta para a já mencionada extinção parcial do objeto, neste caso, a mãe, para uma espécie de ausência latente, em que o objeto não é mais intuído pelos sentidos, sua presença existe como ausência fundante, estruturante, integrante do psiquismo. O outro, nesse espaço vazio, a mãe ou cuidador, provedor da satisfação das necessidades, transforma-se na borda, no enquadre, na moldura, em que todos os futuros objetos poder-se-ão implantar, continuamente.
Em contrapartida de tal processo, segundo Green (1988), a mãe, o objeto primário, pode se deprimir, caso ocorra, o seu cuidado será marcado por essa depressão – embotamento do afeto, o que põe em primeiro plano a angústia da mãe e a diminuição do interesse pela criança. A mãe ao cuidar da criança, não manifesta o seu amor, torna-se uma mãe melancólica, desinvestindo de maneira brutal o seu filho. Desta forma, poderá ocorrer tanto a antecipação da perda do objeto quanto a perda da ilusão de forma prematura – a prematuridade do eu frente às exigências da realidade.  Em consequência, a representação da imago materna, do objeto primário, não enquadra, não fusiona, não estrutura, não liga a mãe e a criança. Por esse ensejo, Green (1988) descreve:
“Não são mais representações cujos afetos correspondentes expressam um caráter vital, indispensável à existência do bebê. Isso porque o apagamento do objeto primordial não terá sido uma experiência aceitável ou aceita de comum acordo pelas duas partes da antiga simbiose mãe-bebê” (GREEN, 1988, p.266). 

A partir desta colocação, Green (1988) identifica no Complexo da mãe morta a falta, a quebra da operação da tarefa da alucinação negativa do objeto inteiramente indispensável, ou seja, seu caráter patológico, tóxico. A ocorrência desse complexo significa nada menos que um fracasso, um insucesso da saudável e esperada evolução da separação mãe-bebê. Quando os objetos fracassam ou causam efeitos “significantes” que mais somos compelidos a reconhecer seu papel essencial.
Para o autor, esse complexo, origina como decorrência que o incipiente eu, em vez de constituir o receptáculo dos investimentos posteriores à separação, luta para reter o objeto primário, e revive repetidamente sua perda (Green, 1988).  Desta forma, há uma confusão entre o eu e o objeto: o objeto, que está morto, leva o eu para um universo deserto, mortífero. Nutrindo assim, o sentimento de vazio, peculiar da depressão, que daí incide.

Nasce então, fruto desse esvaziamento, uma espécie de ferida narcísica, que consome o investimento libidinal destinado aos objetos, toda a libido está marcada pelo narcisismo e será, portanto, sempre uma perda narcisista que será vivida no nível do eu. Figueiredo (2007) assinala que no narcisismo de morte instaurado pela mãe morta no bebê, induz o indivíduo a se defender, na tentativa de destruir o objeto, aspirando ao vazio e ao inanimado contra a dor intolerável de não poder contar com um objeto primário vivo e suficientemente capaz de trazer segurança 

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