A
mãe morta de Green (1988) enfatiza a perda do objeto como um momento fundante
do psiquismo humano, partilhado pela teoria psicanalítica. Para Laplanche e
Pontalis (2001), descreve como um momento:
Mítico, arcaico, perdido, de uma
separação que origina o início de um processo em que o funcionamento psíquico
passa a ser governado pelo princípio da realidade: “a procura da satisfação já
não se efetua pelos caminhos mais curtos, mas faz desvios e adia seu resultado
em função das condições impostas pelo mundo externo” (LAPLANCHE E PONTALIS,
2001, p. 368).
Segundo
Laplanche e Pontalis (2001), a psicanálise reconhece e, enfatiza, a natureza, o
tipo e a qualidade desse cuidado com o recém-nascido, como fundantes do
psiquismo humano. Na esfera da teoria psicanalítica, esse momento é reconhecido
como onipotência materna, em outras palavras, a mãe influência de forma
incisiva a estruturação do psiquismo, destinado a estabelecer inteiramente na
relação com outrem.
Winnicott
(2005) apresenta em sua obra elementos significativos nesse aspecto. A
importância do outro, do mundo externo, estabelece desde os primórdios ao ser
humano. A experiência clínica o levou a reconhecer os estádios mais primitivos
do desenvolvimento emocional do bebê, antes mesmo de a criança se conhecer a si
própria e aos outros. O autor entende humano como:
“Uma função da herança de um
processo de maturação e da acumulação de experiências de vida; mas esse
desenvolvimento só pode ocorrer num ambiente propiciador. No qual a mãe assume papel
preponderante: quando o par mãe-bebê funciona bem, o ego da criança é de fato
muito forte, pois é apoiado em todos os aspectos” (WINNICOTT, 2005, p. 27).
A
mãe suficientemente boa, termo cunhado pelo autor, abrange uma tríade de
funções: o holding é a capacidade da mãe de se identificar com a criança,
sustentando-a psíquico e fisicamente, protegendo-a, de forma equilibrada e
constante; o manipular, que facilita a formação de uma parceria psicossomática
na criança. Winnicott (2005) contribui para a formação do sentido do real – por
oposição o irreal –; oferecer objetos, ou realização, que proporciona à criança
a construção do seu relacionamento com o mundo exterior.
Winnicott
(1975) em seu livro, “O brincar e a realidade”, é ainda mais enfático, ao assegurar
a imprescindível presença da mãe suficientemente boa, para que o funcionamento
psíquico do bebê prospere do princípio do prazer para o princípio da realidade,
e deste para a identificação primária e explica:
“A mãe suficientemente boa (não
necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela que efetua uma adaptação ativa
às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a
crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os
resultados da frustração” (WINNICOTT, 19755, p. 25).
De
acordo com Winnicott (1975), a mãe suficientemente boa nutre o mundo interno do
bebê como um objeto transicional e, como tal, é alocado em uma posição
intermediária entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente intuído,
permanecendo o bebê em um estado intermediário entre a inabilidade e sua
crescente habilidade em reconhecer e aceitar a realidade; e ainda constitui uma
área intermediária de experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade
interna quanto a externa.
Entretanto
Winnicott (1975) nos exorta:
“O objeto não é, em si mesmo,
transicional: ele representa uma transição de um estado em que a criança e a
mãe estão fundidas para outro estado em que o bebê percebe a mãe como algo
externo a ele, ou seja, o ponto em que a criança, pelo crescimento, se liberta
de um tipo narcísico de relação com o objeto” (WINNICOTT, 1975, p.30).
O
objeto transicional apresenta características especificas: é amado e odiado –
necessitando suportar as investidas agressivas do bebê; sendo oriundo ao
externo, podendo apenas ser modificado pelo bebê, por ser percebido pelo mesmo
como algo de dentro, interno.
No
entanto há nessa relação o que Winnicott (1975) nomeia de paradoxo:
“Seu destino – do objeto – é
permitir que seja gradativamente descartado, de maneira que, com o curso dos
anos, se torne não tanto esquecido, mas relegado ao limbo. Não é esquecido e
não é pranteado” (WINNICOTT, 1975, p.18-19).
Winnicott
(1975) conecta, então, a saúde psíquica e física – ao tudo correr bem – à
adaptação exata (que) se assemelha à magia, e o objeto que se comporta perfeitamente
não se torna melhor do que uma alucinação. O que denota descrever que, se o
ambiente suficientemente bom leva à integração do eu, em contrapartida − as
falhas desse primitivo cuidado − conduz à desintegração, que acarreta uma
angústia inimaginável: de rompimento.
Esse
rompimento faz alusão a mãe morta de Green (1988), que é representado como a
falta de interesse da figura materna em relação à criança, remetendo
ulteriormente, na sensação de perda de sentido, apatia e identificação
inconsciente com o estado da melancolia, sugerido por Freud (1917).
Green
(1988), ao recomendar que as condições adequadas do cuidado materno preparam o
psiquismo nascente para a inevitável separação entre a mãe e o bebê,
responsável pela extinção parcial do objeto materno como objeto primário da
fusão, para dar lugar aos investimentos próprios ao eu, fundadores de seu
narcisismo pessoal. O funcionamento do objeto primário está na estrutura
enquadrante – o continente, o receptáculo – do eu. Essa estrutura enquadrante,
para Green (1990), funciona como uma moldura, um quadro em branco, onde irão se inscrever as
representações: “o que é retido da mãe não é uma representação da mãe. Que
significa que o bebê dispõe de uma superfície de representação muito mais
importante que a própria representação” (GREEN, 1990, p.122).
Desta
forma, como objeto de amor suficientemente seguro, da alucinação da imago
materna, nutre a criança, ainda não estando a mãe presente, a satisfação
alucinatória do desejo tornando suportáveis a ausência e a espera, afirma Green
(1988):
“O apagamento do objeto materno
transformado em moldura enquadrante é conseguido quando o amor do objeto é
suficientemente seguro para desempenhar esse papel de continente do espaço
representativo” (GREEN, 1988, p. 265).
Nessas
circunstâncias, esclarece o autor, que esse espaço pode ser preenchido através
de fantasias de variados tipos, de modo inclusivo as fantasias agressivas, que
não colocará em risco esse continente.
Green (1993) identifica, nesse processo, a presença a tarefa nomeada de
alucinação negativa do objeto, que se faz inteiramente necessária – a mãe ou
seu substituto: precede e permite a realização alucinatória do desejo, em
outras palavras proporciona a transferência da satisfação da necessidade:
“De acordo com o funcionamento
psíquico fundado no princípio da realidade: o objeto primário torna-se
estrutura enquadrante do Eu, abrigando a alucinação negativa da mãe” (GREEN,
1988, p.265).
Para
Green (1993), a alucinação negativa estabelece o conceito teórico que é a
precondição de toda a teoria da representação. Esse processo não denota
ausência de representação, no entanto, no dizer de Green (1982), a
representação da ausência de representação, o reverso – situações de modo
contrário ao que se espera, ou se analisa – do que a realização alucinatória do
desejo é o inverso – parte frontal de qualquer objeto que exiba dois lados
opostos.
De
acordo com Green (1993), a alucinação negativa aponta para a já mencionada
extinção parcial do objeto, neste caso, a mãe, para uma espécie de ausência
latente, em que o objeto não é mais intuído pelos sentidos, sua presença existe
como ausência fundante, estruturante, integrante do psiquismo. O outro, nesse
espaço vazio, a mãe ou cuidador, provedor da satisfação das necessidades, transforma-se
na borda, no enquadre, na moldura, em que todos os futuros objetos poder-se-ão
implantar, continuamente.
Em
contrapartida de tal processo, segundo Green (1988), a mãe, o objeto primário,
pode se deprimir, caso ocorra, o seu cuidado será marcado por essa depressão –
embotamento do afeto, o que põe em primeiro plano a angústia da mãe e a
diminuição do interesse pela criança. A mãe ao cuidar da criança, não manifesta
o seu amor, torna-se uma mãe melancólica, desinvestindo de maneira brutal o seu
filho. Desta forma, poderá ocorrer tanto a antecipação da perda do objeto
quanto a perda da ilusão de forma prematura – a prematuridade do eu frente às
exigências da realidade. Em
consequência, a representação da imago materna, do objeto primário, não enquadra,
não fusiona, não estrutura, não liga a mãe e a criança. Por esse ensejo, Green
(1988) descreve:
“Não são mais representações cujos
afetos correspondentes expressam um caráter vital, indispensável à existência
do bebê. Isso porque o apagamento do objeto primordial não terá sido uma
experiência aceitável ou aceita de comum acordo pelas duas partes da antiga
simbiose mãe-bebê” (GREEN, 1988, p.266).
A
partir desta colocação, Green (1988) identifica no Complexo da mãe morta a
falta, a quebra da operação da tarefa da alucinação negativa do objeto
inteiramente indispensável, ou seja, seu caráter patológico, tóxico. A
ocorrência desse complexo significa nada menos que um fracasso, um insucesso da
saudável e esperada evolução da separação mãe-bebê. Quando os objetos fracassam
ou causam efeitos “significantes” que mais somos compelidos a reconhecer seu
papel essencial.
Para
o autor, esse complexo, origina como decorrência que o incipiente eu, em vez de
constituir o receptáculo dos investimentos posteriores à separação, luta para
reter o objeto primário, e revive repetidamente sua perda (Green, 1988). Desta forma, há uma confusão entre o eu e o
objeto: o objeto, que está morto, leva o eu para um universo deserto,
mortífero. Nutrindo assim, o sentimento de vazio, peculiar da depressão, que
daí incide.
Nasce
então, fruto desse esvaziamento, uma espécie de ferida narcísica, que consome o
investimento libidinal destinado aos objetos, toda a libido está marcada pelo
narcisismo e será, portanto, sempre uma perda narcisista que será vivida no
nível do eu. Figueiredo (2007) assinala que no narcisismo de morte instaurado
pela mãe morta no bebê, induz o indivíduo a se defender, na tentativa de
destruir o objeto, aspirando ao vazio e ao inanimado contra a dor intolerável
de não poder contar com um objeto primário vivo e suficientemente capaz de
trazer segurança