22.3.18

LIBERDADE É FALAR TUDO QUE SE PENSA?

Between Rivers - Mojowang

O movimento de vomitar toda insatisfação ao outro é uma pulsão [impulso] corporal que é ressentido na história psíquica. Essa “descarga” da pulsão procura satisfação devido à impotência do sujeito em sua busca de um objeto adequado, para tentar manter um estado de menor tensão com o objeto inadequado.

A força que trabalha às voltas do princípio de vida se transforma em combustão da estase e da destruição do objeto inadequado. A insatisfação com o esse objeto último, impele na espiral da repetição. Todo esse excesso que comporta a manutenção da imobilidade destruidora é próprio de uma falta de elaboração à situação que se apresenta. 

Na análise o sujeito poderá encontrar um lugar para endereçar a falação ilimitada do seu discurso, para a partir desse ponto fazer-saber sobre seu sintoma e trabalhar na elaboração do saber-fazer a respeito do saber instaurado dentro da função de vínculo estabelecida com o objeto inadequado. 

É através da transferência que se faz possível transformar a tendência à destruição do objeto externo em energia de maturação e movimento de produção consequente em saber sustentar laços. A análise proporciona ao sujeito a escuta de sua própria história, e aprende sobre o ensejo de pensar, de recalcular a rota e de redimensionar a problemática do seu sintoma, transformando-o em sua causa. 

O saber em análise implica o emissor e receptor a colocar algo de si nessa transmissão psicanalítica. Se o corpo do sujeito em análise não convocar algo subjetivo dentro do ambiente psicanalítico, pode-se transmitir qualquer coisa menos psicanálise. 

Falar tudo que se pensa ao outro sem filtragem é se colocar na qualidade de selvageria de um animal irracional, sem responsabilização pelo que se pensa e fala. Na vida é preciso aprender saber-fazer dentro da função de vínculo com o outro. As diferenças precisam promover uma transformação e uma produção em saber sustentar laços. 

Somente com o outro que aprendemos a fazer melhor com nossa existência no mundo, para fazer-saber o próprio limite e assim aprender a construir saberes para continuar transformando o percurso do próprio desejo. 

18.3.18

DOS FRACASSOS NO LAÇO COM O OUTRO NASCE A ALTERIDADE DO DESEJO


In transition. LOVEJOY, Emily 


A forma como lidamos com o fracasso pode nos levar ou não a novos lugares. Há um saber no fracasso que só o sentindo é possível fazer-saber para sabermos fazer com esse saber que poderá se instaurar. O inconsciente está às voltas do que não funciona em nós, e o fracasso é seu lugar próprio para dar pistas [através do não dito] sobre aquilo que enrosca, emperra e paralisa em nosso percurso.


O sujeito neurótico fica incapaz de sentir o ardor do fazer-saber sobre seu fracasso, por estar alienado à demanda do outro. Ao partir desse lugar, o neurótico não consegue filtrar as demandas e dizer não a algumas delas ao outro. 

O fracasso é visto com maus olhos e expurgado às pressas do sentir do sujeito. O impasse se instaura, uma porque o fracasso trata-se de um saber que constitui o sujeito; uma das línguas do inconsciente e do desejo, e outra porque é através dos fracassos no laço com o outro nasce a alteridade do desejo. 

Esse saber inconsciente, alteridade do grande outro que nos habita, que aos trancos e barrancos da análise tentamos escrever nossa biografia, que tentamos fazer as pazes para o transformar de inimiga a aliado. São essas tentativas desesperadas e repetidas que o sujeito aprende mais sobre os seus sintomas.

O fracasso não é o ponto final na biografia que o sujeito escreve, mas a vírgula que insiste e persiste em convocar algo da ordem do que o constitui. Por isso a importância de fazer-saber sobre o inconsciente, para saber-fazer com que vem depois, a castração: a falta. 

Refletir sobre o que nos faz fracassar é andar em corda-bamba, é abrir mão do saber estabelecido para atualizar todos os valores e ideias que até a minutos atrás sustentavam todo nosso corpo falante.  

É preciso e urgente que aprendamos mais sobre nossa alteridade, ela nos convoca a questionar a demanda do outro, a criar saberes para fazer-saber algo que se tenta dar sentido, e que implicado a esse movimento de busca todo esse sentido perde sentido e abre portas para algo muito que se aproxima de nós mesmos e do laço com o outro. 

O sujeito que aprender a fazer-saber sobre seu fracasso e atravessado por ele, aprende saber-fazer com isso, consequentemente se torna bem-sucedido.

13.3.18

O TRABALHO DO PERCURSO EM ANÁLISE


 

Em análise, o desejo está em frenética conexão com o que não funciona, paralisa e insiste em comparecer no real pelo avesso. Em sua espiral sonoro da experiência, a psicanálise revela tudo que a sociedade incuba na exposição do humano que valoriza como ideal: puro, divino e perfeito.

O caminho da psicanálise implica o sujeito a responsabilização por seu estilo no mundo, atravessado pelo não-todo-saber que se inaugura no sintoma. Não à toa que a psicanálise não é para todos, por implicar o sujeito a arriscar tudo em sua subjetividade, alterando rotas e pensando com ética as prioridades da sua vida.

Para construir o percurso na análise é necessário abrir mão do lugar de ser desejado, da bengala da demanda do outro. Recusar a posição narcísica para assumir o seu inverso, que convoca o eu ao comprometimento, ousadia e coragem à responsabilização por sua existência no mundo. Esse movimento leva o sujeito a produzir conteúdo em análise, para criar um saber sobre o que estrutura o seu sintoma.

Além disso, todo esse avesso que se apresenta instaura um novo sujeito com autonomia ao que lhe causa, inspira e fracassa. O trabalho em análise conduz à incompletude do horizonte, na ousadia e coragem em apostar todas as fichas em si mesmo, sem recursar em pagar o preço necessário para sustentar suas escolhas e decisões em constante maturação frente às novas possibilidades em que o seu desejo aponta.

Aprender a transformar as oscilações do sintoma que emperra o analisante a caminhar em seu percurso, exige questionamentos sobre o lado obscuro que também interfere nas escolhas e decisões do analisante. A vida em análise é estar diante da vírgula que o impossível implica, que não cessa de se escrever. 

O discurso emitido pelo sintoma do sujeito, evoca algo da ordem do mistério que o implica a ultrapassar os semblantes que moldam o lugar que insiste a convocá-lo ao gozo da repetição. Mas não é só isso, há muito mais a que se aprender com o que a psicanálise se propõe em sua transmissão no quotidiano, que se enlaça e entrelaça nos vínculos do sujeito do inconsciente.

10.3.18

NADA É MAIS COMO ANTES


O psicanalista trabalha com o que é mais íntimo do ser humano: a fala. Quando o sujeito fala livremente sobre o que lhe causa, emite um eco barulhento na análise. Ao estruturar na linguagem verbal suas angústias, o analisante, abandona o lugar firme e cômodo da dor em que gozava. Por isso, que repetidamente se convoca a falação sobre o analista levar até às últimas consequências a sua própria análise, para poder ser ético em sua escuta analítica. 

A psicanálise se reinventa quando cada sujeito implicado por seu discurso transmite algo da ordem do estranho que o habita. Após ouvir a própria voz, o analisante inicia uma nova etapa de sua análise: a responsabilização pelo lugar no qual escolheu para desejar e gozar a vida.

O processo de uma análise vive de mãos dadas com a resistência, por denunciar a dificuldade em dizer adeus ao que deixou de ser para tornar-se algo novo e ainda sem nome. Acessar a intimidade do grande outro que constitui em si mesmo é algo constrangedor ao sujeito que foge do que o implica ao movimento do caminhar atravessado da horizontalidade sem bordas e de inúmeras possibilidades de escolhas. 

Amar, odiar, desejar e tantos outros sentimentos não é mais como antes. Hoje, existem uma tonelada de opções para que o sujeito possa escolher. A problemática é que não se pode ter tudo, é preciso escolher somente um objeto, e essa escolha produz  certa angústia por não saber se o escolhido dará conta da demanda que será depositado nele. 

A partir desse pressuposto, a capacidade de viver coincide com a coragem de olhar para o frustrante da dor: o sofrer. O processo de amadurecimento colide com os valores abandonados, conduzindo o sujeito ao desconhecido vazio que o constitui como ser desejante. 

Os efeitos das transformações em análise, implicam o analisante a pensar suas experiências, o que produz certa amplitude de angústia, medo e constrangimento com o novo. Deixar o lugar [prazeroso] em que se gozava de forma ilimitada, mesmo que muitas vezes ruim, é assustador para o sujeito por temer a perda e não ser capaz de suportar a imensidão das incertezas do novo lugar que pretende se posicionar. 

Por perceber que algo [que nunca teve] pode ser perdido, inaugura a experiência de existir, e esse movimento não existe sem que se possa sentir o peso da imensidade do medo. A busca do sujeito pela análise está às voltas da tentativa de estabelecer o equilíbrio por não dar conta de pensar o desequilíbrio que se constitui naquele momento de caos. 

Já em seu avesso, a desistência da análise não está relacionada ao dinheiro investido nas sessões, mas na incapacidade de não suportar o barulho do seu discurso, que o convoca a se responsabilizar por si mesmo. 

7.3.18

SOBRE SER DESEJADO E SER DESEJANTE

thinkpink - andrewkuttler
Ser desejado está na ordem da demanda que se endereça ao olhar do outro sobre a si mesmo, ser desejante está em convocar o próprio olhar sobre a falta que se constitui.

Ser desejado é uma demanda que se dá ao outro, muitas vezes a ilusão que se edifica pode ser descontruída em milésimos de segundos, por estar sempre enraizada numa esfera narcísica da terra firme da área movediça. A frustação nasce justamente de não poder emoldurar o olhar do outro para si mesmo, uma vez que, é preciso muito mais que ser interessante para o outro.

Trata-se da essência [sem borda] de se haver com o faltante que se constitui em cada um de nós. Na análise aprende-se muita coisa, uma delas é que não se estilhaça a fantasia do outro por haver em si mesmo um enorme teto de vidro. A falta não se trata de um vazio, mas se alimenta dele para produzir saberes que impulsionam às transformações do sujeito.

Em nome da linguagem do faltante é que se produz desejo, em que o sujeito começa a compreender suas complexidades e o que constitui sua falta. Ser desejante não é uma tarefa simples e de pouco trabalho, demanda tempo e muita espera. E nós, sujeitos do contemporâneo, desaprendemos a esperar.

Tudo precisa ser em tempo real, não há espaço para aprender a esperar. Por isso, muitos não suportam o peso da experiência do processo psicanalítico. Para desejar, amar e viver a espera é preciso aprender a desacelerar, o saber sobre si mesmo leva muitos anos e mesmo que se constitua algum saber dessa ordem, ainda existirá algo para problematizar, questionar e tentar produzir saberes que estruturam o sujeito do inconsciente.

Mas, pode ser que eu esteja errado sobre tudo isso. Afinal de contas, quem é que quer esperar e viver a angústia desse processo, quando o tempo vive a passar?

Não há mais nada doloroso que aprender que é preciso perder algumas coisas, para que se possa ganhar.