29.4.14

Faz de conta: um projeto terapêutico


O ambiente terapêutico é um lugar misterioso, no qual é sabido que você pode sair feliz por ter “solucionado” um “mal-estar”, como pode sair “desgostoso” e com uma vontade de “socar a cara” daquele terapeuta de merda que você paga uma fortuna por sessões, para ele não dizer nada que te encoraje, mas que te cativou, a ponto de você deixar escapar a (merda) dor, que tanto segurava e que fedia dentro de você.

Realmente a palavra é um bicho que sai da boca, que tanto pode acariciar ou agredir, quando se volta contra o interlocutor. É como se você desse a sua próxima carta de bandeja para o terapeuta, sem se dar conta do que está fazendo. Neste momento, surge a ideia do faz de conta, que por algum tempo, pode funcionar ou não numa sessão individual, mas num grupo terapêutico dificilmente o faz de conta se sustenta por muito tempo, visto que há mais pacientes a confrontar o que está sendo pronunciado.

De acordo com algumas observações¹, é notável que o faz de conta, acaba se desfigurando e mostrando as raízes que machucam o interior do interlocutor. Explico. Na terapia em grupo, que tenho como certeza, que é de considerável saudável e rica de conteúdos a serem estudados e analisados, o paciente que fala, de forma disfarçada, como por exemplo, no faz de conta, o paciente apresenta um discurso, no qual se moldura como uma pessoa boa e que não faz mal a ninguém, que foi injustiçada pelos familiares, por acharem que ela é uma mulher da vida, por viver nas baladas.

Em primeiro momento, o relato nos remete ao afeto de compaixão, acreditando que essa família estaria sendo um tanto que radical com a paciente. No entanto, quem repudiaria e discriminaria uma pessoa a ponto de não querer mais vê-la por perto, simplesmente por ser tão boa, que quer só curtir a vida? Em vias de boa sanidade, ninguém o faria. A partir deste aparato de informações, onde entra a terapêutica em grupo. Pacientes que ouviram tal história atentamente,questionam a interlocutora:

Será que ela e só baladeira como diz? Será que ela não fez algo para essa família, para mesma ficar com receio e não querer mais vê-la?

Encantador, não é? Sim, é incrível como em uma sessão de terapia em grupo, as pacientes que se põem a par dos fatos, colocam-se a pensar sobre o tema, aquecem sua autonomia. Claro, isso é um processo, nem sempre é possível ter esse ganho. Mas, o que vale é a tentativa no dia a dia, que é propor um tema inicial, para que ramifiquem novos temas.

Pacientes se colocam na posição de co-terapeutas, como se dissessem: contra outra, que faz de conta que eu acredito. Questionada a interlocutora fica constrangida, e se sente na necessidade de se explicar, contar ainda que superficial algo a mais que complemente a linha de pensamento inicial. 

É neste momento em que, sem tomar todos os cuidados necessários para não ser descoberta, a paciente nos dá sinais e dicas da causa de sua dor, da ruptura do afeto familiar e de si mesmo. Ainda podemos acrescentar que, em vias de analise, não se pode descarta que quem sabe a dor de ser uma decepção para família e para si mesmo, cause na paciente a negação de suas experiências negativas.  A negação dos caminhos que a levaram a cometer tais atos, que a sociedade repugna, e que leva a paciente a limitar sua fala, para que não seja ainda mais criticada.

Tais atos de prostituir-se ou viver neste ambiente podem ser desde o desejo de viver essa experiência, o que podemos pensar ser um fetichismo, bem como a necessidade de se manter na zona de conforto, visto que é mais fácil caminhar pelo método mais simples, sem esforços, ao invés de caminhar por caminhos que exijam mais trabalho e doação de si.  Existem incontáveis argumentos e formas de se pensar. Entretanto, a paciente escolhera viver numa casa de “mulher da vida” até conseguir dar seus próprios passos, sozinha.

O que compreendi nesta sessão em grupo é que, na forma mais simples, não há o único culpado, de modo que ninguém caminha para o poço sozinho. Não estou no proposito de dizer que os familiares, aqui no caso, sejam os malfeitores, ou que por trás de toda história haja um, mas há contribuições para essas escolhas. Tudo depende de como a dor afeta o indivíduo. Uns são mais fortes, outros não tanto.

A terapia vem como forma de contribuir com o paciente que se perder da direção do seu ideal e sonhos, ou que procura uma direção. No entanto, a terapia só acontece com a fala do paciente e a escuta minuciosa do terapeuta.

“Quem chora, nem sempre quer mamar”.

¹ - Observações: o caso aqui narrado não é verídico, ou seja, é de teor fictício. Mas, delicie com a possibilidade de imaginar, que o caso poderia ser verdadeiro.  Já que estamos vivendo, então tudo pode acontecer.

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