22.3.14

A sombra também é nossa

Afogado na imaginação, perdido em devaneios de pensamentos já afastados da realidade. O passado se faz tão presente quanto o presente nas linhas da consciência, que a dor que se fomenta na divisão entre o passado e futuro, impulsiona o inconsciente a realizar seus processos mais instintivos e primitivos.

Dessa luta nasce o desejo de se deixar ser levado e guiado somente pelo princípio do prazer, já que é o único meio aparente que salienta a paz interior. É plausível o esforço que fazemos para manter o contato com o outro, mexemos a todo tempo em nós, ajustando nossas crenças, estereótipos e persona, para satisfazer o outro, a sociedade.  Não. A realidade é que, às vezes, para produzir o prazer é necessário que haja o outro, pois ele será o sinal de que tudo está bem ou que irá ficar, por fim, o outro é apenas a segurança que não estamos sós.
A necessidade de ser e estar, não seriam possíveis se não houvesse o outro, a plateia, mesmo que esta seja imaginária, é unicamente necessária para que haja brilho na fantasia.

Visto por neste ângulo, bem é sabido que o ser humano é de todo egoísta, mas também é amor. Às vezes, não estamos felizes em fazer ou estar em alguma situação desconfortante que, de certa forma, nos trazem certos benefícios. 

Não é tão fácil se desligar daquilo que nos mantém na realidade, nos mantém afastados da solidão que nos obriga a pensar. A mudança precisa de "doses" de solidão e egoísmo.  O ser humano precisa estar em equilíbrio, é necessário saber os limites para seus sentimentos.

O egoísmo está presente na vida do humano desde do primórdio de sua existência, bem como todos os demais sentimentos bons: amor, compaixão etc. No entanto, temos uma ideia do que seja amar, cuidar, proteger. Mas será que sabemos lidar com o nosso pior? Qual a nossa responsabilidade com o efeito da sombra do outro em nós?

Sigamos à pro-cura de um saber que dê conta da angústia que é [re]pensar-se a si mesmo.

12.3.14

Ninguém quis se responsabilizar


Ninguém soube como começou,
Ninguém soube como terminou,
Ninguém viu para qual lado foram,
Ninguém quis dizer nenhuma palavra,
Ninguém quis ouvir um ao outro,
Ninguém se quer olhou para trás.

Ninguém quis pensar sobre o problema,
Ninguém quis sentir a dor de estar suspenso,
Ninguém quis ser o algodão de si mesmo e/ou do outro.

Ninguém quis derramar uma lágrima,
Ninguém quis se despedir.
Ninguém limpou as feridas,
Então, ambos ficaram com suas feridas abertas,
Caminhando em busca de cuidados, afeto.

Em busca de um algodão que possa enxugar as suas lágrimas,
que possa confortar o seu coração.


8.3.14

O inconsciente e as palavras



Quando o sujeito escreve, sente um prazer que traz pulsão ao desejo. Desabrocha em lágrimas de pura e doce necessidade de acalentar a sombra que grita por respostas. Não raro são as noites em claro, na busca de letras e palavras que, de alguma forma, expressem o que é impossível de ser dito. É o som dessas palavras, que não saem, e que fazem ecoar na garganta [entaladas] a sua melodia oculta.

As palavras gritam por um significante, num tom qualquer de discurso que as libertem. Há palavras que não dão conta de emitir sons e se faz [por quê não dizer corporifica-se?] pela escrita, por carregar peso que atravessa a linguagem com significados, sentimentos, que ao dizê-las, emitem um som descontrolado e avassalador, e que ao ouvi-las pode custar à paz ao sujeito.

Às vezes é preciso reorganizar todas essas palavras em nós, na tentativa de preservá-las dos abutres insensatos que nos habitam, na espera de uma oportunidade de atacar. São palavras preciosas, que se afogam no mundo caótico, na busca de encontrar o sujeito que possa ouvir e sentir.

6.3.14

A ideia de terapia


A terapia não evolui sem o paciente, bem como o paciente não evolui sem o terapeuta. É uma troca, ambos crescem... ambos precisam existir.


Em muitos dos casos, procuramos motivos, às vezes, os mais simples para não fazer terapia. O mais celebre dos motivos, ocupando o topo é o medo de se desmoronar numa cadeira, numa sala, numa pessoa na qual jamais se quer se viu.

É assustador dizer a si mesmo quem somos, ou quem nos tornamos.  Lidar com nossas qualidades é muito fácil, mas quando às qualidades não amenizam a dor que os defeitos nos trazem, o que fazer? Como agir?

O medo é muito frequente em terapia, ele é por muitas vezes o motivador da fala. Quando sentimentos medo, o sentimento acaba falando por nós. Quando sentir torna-se exaustivo, a fala torna-se a saída mais sensata. Falar, falar e falar. No desespero de ser ouvido, acolhido. Nada mais importa além do prazer de ser ouvido. Um estágio do sentimento egoísta que, de certa forma, ajuda na cura pela fala. Associação livre.

É nos trejeitos, nos arranjos da fala e nos demais aspectos que o paciente cria e manipula em terapia. Em forma de arte, quase que lúdica, o terapeuta busca analisar e juntar todas as peças, que o paciente jogou no ambiente terapêutico, numa tentativa de compreender quais sentimentos verdadeiros, ocultos e necessitados de atenção, escondem-se na fala, as dores mais emergentes, porém engavetadas no inconsciente.

Não é raro o borbotar das angústias em quatro paredes, sentado em uma cadeira ou amolecido em um divã.  É o momento em que o paciente desenvolve insight sobre suas atitudes, sobre como poderia agir, para que suas ações possam fluir melhor e favoráveis a si mesmo.

Quando o paciente “sente” no ambiente terapêutico a tranquilidade para explorar-se, abrir o baú de si mesmo, e de pouco em pouco retirar objetos, sentimentos e tudo o mais que o impede de olhar a si mesmo, será o momento primordial para identificações, projeções, transferência e a atitude não adequado, no entanto inevitável, a contratransferência.

A terapia é o lugar que o paciente deve se sentir ousado, corajoso, para enxergar que ele pode reconhecer sua sombra sem medo. O terapeuta será o instrumento, a figura de segurança, o ambiente para que o paciente possa ser, sentir, odiar-se e amar-se com sinceridade e sem culpa. Quando todo esse borbulho de sentimentos ocorrerem num set-terapêutico, certamente haverá uma autonomia do paciente nas próximas sessões, nos próximos ensaios de enfrentamento de si mesmo.