25.11.17

NA SUPERVISÃO PSICANALÍTICA O QUE NOS INTERROGA?


Em psicanálise, o analista tende a estar sempre numa posição de falta em seu percurso de formação, esse movimento promove a construção de um saber junto ao seu analisante. Há sempre algo que interroga o sujeito que assume a posição de analista, é de grande importância que assim seja, para que a supervisão tenha efeitos na análise dos seus analisantes.

A posição de analista só pode ser ocupada, quando autorizada por ele mesmo, desde que esteja em dia com o tripé da formação que Freud (1912) no texto “RECOMENDAÇÕES AOS MÉDICOS QUE PRATICA A PSICANÁLISE”, orienta: análise pessoal, estudo teórico e supervisão. 

Na graduação em Psicologia é muito comum aos ingressantes a interrogação a respeito da teoria, pratica e/ou condução de uma psicoterapia às voltas da psicanálise. Uma preocupação equivocada, visto que não se aprende nada nas universidades, a psicanálise não existe e não é possível nesse universo. No máximo, o que se aprende nas universidades está na ordem de sua história, teoria e discurso do que se trata o saber da Psicanálise. A transmissão da Psicanálise só é possível na experiência do dispositivo analítico.

O psicanalista Sesarino comenta que a diferença entre a ciência e a psicanálise é que a primeira está na ordem do experimento e a segunda da experiência. Nas universidades não pode ser ensinado uma experiência, por isso tanta inaptidão ao conduzir transferência, que acaba por tornar um processo duro de ser experimentado para àquele que nunca ocupou o lugar de analisante.

Entretanto, em seu texto “OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL” (1915[1914]), Freud menciona que:
Cada iniciante na Psicanálise por certo teme, de início, as dificuldades que lhe apresentarão a interpretação daquilo que ocorre [Einfälle] ao paciente e a tarefa da reprodução do recalcado. [...] as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência. 
Freud se preocupou muito com a transmissão da Psicanálise e sua prática, por existir uma ética [o analista precisa levar até as últimas consequências a experiência de sua análise] no que constitui a singularidade da experiência psicanalítica. Neste percurso, a passagem da teoria à experiência, propõe que todos que busquem se orientar pela psicanálise [orientado por sua ética], estejam em liberdade para errar e aprender com a experiência a fazer melhor. 

Entretanto, é importante e necessário que aquele que deseja se haver com a psicanálise esteja sabido desde o princípio que esse percurso não oferece respostas ou caminhos prontos. A experiência que a Psicanálise promove está na ordem da interrogação ao que atravessa a vida na singularidade do sujeito que está em processo de análise, principalmente a do sujeito do analista.

Quem quer aprender e saber psicanálise em sua essência, só através da experiência de se deitar no divã, ingressar uma análise que o conduzirá a um saber subjetivo que oferecerá algo que ultrapassa qualquer saber teórico. Somente o sujeito que leva sua análise às últimas consequências poderá chegar o mais próximo do saber psicanalítico.

A universidade autoriza o sujeito a exercer a psicoterapia, mas não uma psicanálise. A psicologia está a milhas de distância da psicanálise. Em acordo com o psicanalista Sesarino, o sujeito pode fazer mestrado e doutorado em psicanálise, mas nada disso torna alguém psicanalista, isso tudo são conjuntos de informações, que não serve para nada, no sentido de transmissão da psicanálise.

Não se é analista sozinho, é preciso que haja outros analistas para sustentar o lugar de analista diante da dor de existir do analisante [e, sem dúvida, do analista também]. Wilfred R. Bion (2016[1997]) em texto “Sem título” do livro Domesticando Pensamentos Selvagens, recomenda:
“É importante que o embrio-analista, o candidato, possa ousar usar sua imaginação e a articulá-la numa supervisão. Esta é uma das razões do porquê eu considero uma supervisão como sendo possivelmente valiosa: se pelo menos aqueles que me procuram ousem dizer que pensam, e usem esta ocasião como forma de se exercitarem na articulação daquilo que pensam, através da terminologia verbal, ou qualquer outra que descubram, eu já me dou por feliz” (Bion 2016[1997]).
A experiência de supervisão oferece ao analista que algo de sua clínica o interrogue, atravessado por seu discurso consciente dos seus casos [ que em questão, não está nos casos de seus pacientes, mas no próprio tratamento], é através do que causa o analisante que atinge o analista no momento de análise, ao nível de relação transferencial, provoca desdobramentos na própria analise do supervisionando, que produzirá efeito de formação. 

Por este motivo e, por tanto outros, que é indiscutível estar em dia com o tripé descrito por Sigmund Freud nas suas recomendações aos que praticam a Psicanálise. Só é possível saber de psicanálise atravessado pela experiência, do contrário só se faz possível conhecer o que seja psicanálise, nunca os seus efeitos no cotidiano do ser humano.

A ética na psicanálise se transcreve na análise pessoal, conhecimento teórico e supervisão. Se pretende praticar psicanálise, é imprescindível que arque com o osso de levar até as últimas consequências o pilar que sustenta o lugar que ocupa o analista.


Maicon Vijarva
Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica
Snapchat Instagram @acuradefreud

16.11.17

DA CULPA A RESPONSABILIDADE: UM MANEJO DE re-INVENÇÃO


A psicanálise é o avesso do politicamente correto e trabalha no inverso do discurso cientifico preguiçoso da psiquiatria contemporânea, que não se esforça em captar a singularidade no discurso do sujeito no século XXI, “limitando-se a classificar as doenças com base em uma classificação sumária de sofrimentos” (Forbes, 2012).

A clareza sobre este aspecto se torna nítida, quando os supostos “mestres” que [acreditam estar sendo] conduzidos pela "ética", deveriam oferecer um ambiente propicio à expansão do pensar a cerca do sujeito e seus sintomas. No entanto, trazem uma prática que reduz o ser humano ao manual das classificações de seus sofrimentos, que impregna na personalidade do doente dos nervos, como rótulos, que serão difíceis de serem reparados no trabalho de análise [se conseguir pisar num setting analítico] os danos causados na vida psíquica e física do sujeito.

O percurso que a psicanálise oferece, convoca o sujeito do inconsciente a transformar sua culpa, convidando-o a se responsabilizar por sua existência. Não é algo simples, se responsabilizar é algo doloroso, que demanda muito mais que abandonar a irresponsabilizabilidade. O campo da psicanálise não se satisfaz mais com o enredo vertical do Complexo de Édipo, essa estrutura ainda é muito importante, mas o sujeito no século XXI vive um outro momento, que é o de ultrapassar os pais. Trata-se de re-escrever as repetições do passado com um ar que beira a imobilidade.

A contemporaneidade deseja a elaboração de uma saber sob a subjetividade de sua época. Entre infinitas opções, saber identificar o que realmente oferece ao seu percurso, a possibilidade de ir ao encontro do pensamento que o antecede, e a partir desse encontro re-escrever algo novo com a estrutura do passado.

Para que isso se desenhe no real, é preciso escapar e ultrapassar o lugar que esse semblante organiza sob a forma de um discurso impositivo dos manuais de sofrimento. Recorrendo aos escritos de Clarice Lispector, em seu livro "A hora das estrelas", é possível interpretar em seus escritos que não há palavra que possa nomear o que desestrutura o sujeito e, tampouco, há um manual dos sofrimentos será capaz entender o que se passa dentro do ser humano.

Jean-Claude Maleval em seu livro "O autista e sua voz (2017)", leitura importantíssima ao meu ver,  por desconstruir qualquer saber sobre o sujeito e, em especial,  autista. Traz uma expansão do pensar a respeito deste sujeito e sua subjetividade. Maleval de imediato nos provoca a questionar os semblantes que nos são apresentados, numa tentativa de pensar à luz do olhar de fora, para que seja possível ultrapassá-lo.
Procurando reduzir o sujeito ao seu corpo, a psiquiatria hoje lhe confisca a competência no que se refere ao conhecimento dos seus transtornos (Maleval, 2017).
A ignorância da estrutura que nos constitui, serve de ferramentas para o Outro [seja o imaginado por nós, em forma de superego, ou o outro real], manipular a sua maneira, como algo estranho, disforme e incapacitado para servir aos ideais da sociedade. O sujeito autista tem muito a falar, a ensinar. Bem como qualquer outro sujeito que apresenta um transtorno. A especie humana tem a tendência a dar nome para o que não conheça, por ser incapaz de lidar com o que não está visível à compreensão. É preciso dar nome para falar sobre "isso". Já para Bion em "Seminários Italianos (2017)", é preciso ser muito corajoso para se colocar no lugar de ignorante frente ao outro. 

Para saber algo sobre alguém, é preciso sentir a angústia de nada saber sobre. Capacidade que continua a ser ocultada, por medo de ocupar o lugar de ignorância. Ser analista é justamente aprender a lidar com o não-saber de si mesmo, oferecendo possibilidades para que se possa apreender com o não-saber a saber algo sobre si e, só assim, saber algo sobre alguém a partir do lugar de ignorância. A única coisa que Eu sabe é que nada sabe. Assim sendo, o ser humano cria sintomas para não lidar com o vazio angustiante que a ignorância oferecer. Não saber é, em essência, o mesmo que impotência e descontrole.