21.3.15

Na ausência da fala

Em meados dos últimos anos de faculdade, muitas pessoas passaram em minha vida. Ouvi professores, desconhecidos, orientadores, pacientes, amigos de faculdade, de trabalho e me ouvi. Mas muitas dessas pessoas falavam comigo pelos olhos, emitindo uma vibração de pensamento de alma para alma. 

Em nossa vida, há aspectos que não conseguimos externalizar na fala. Algo que não pode ser dito, mas talvez sentido pelo toque ou imaginado pela ausência da fala. Ficamos muitas vezes apreensivos, sob o olhar do outro, se seremos julgados, rejeitados ou ignorados. Antes de todo esse sentimento vivenciado pelo Eu-Externo, o SuperEgo já nos corrói e nos pune por dentro. Ou seja, ficamos amedrontados com o Outro que criamos dentro de nós, deixando de perceber o que esse Outro realmente é. 

Cometer erros é o que nos faz humanos... é como nós aprendemos, é como encontramos alegria. Mas alguns erros fazem comunhão com a culpa e isso é o que nos adoece. Ou seja, sofremos por antecipação, numa perspectiva imaginária. Talvez pensar sobre a dor faz com que possamos elaborá-la e desfazer as pazes com a culpa. Entretanto, não podemos ficar estagnados sob a latência do que é pessimista. Há uma dor saudável e enriquecedora, que nos faz crescer, evoluir. 

A presença do Outro é essencial para construção da nossa identidade. Não somos os mesmos de 10 segundos atrás, estamos sempre mudando. No entanto, não deixamos nossa essência por fazer novas escolhas, assumir um erro ou reformular toda uma vida. Não há identidade estável, ela muda conforme nos relacionamos com o Outro, esse que é tão essencial a nós, quanto para às realizações individuais. Realizar-se com o Outro é muito valioso para nossa saúde psíquica. O individualismo gera conflitos internos que adoece a consciência, trazendo mal-estar para o corpo e a psique.

É por issoque independentemente se somos analistas ou não, devemos estar sempre atentos e ser o mais acolhedor possível, proporcionando um ambiente suficientemente bom para que quem é ouvido sinta-se  seguro em ser a nosso lado, que possa pensar sobre seus erros, refletir sobre a culpa que sente, para então externalizar a fala oculta e se libertar do sentimento repressores.


Quando o ser humano for capaz de ouvir seu semelhante, sem medo de perder tempo, certamente não haverá mais ressentimento, culpa ou guerra. Haverá mais sensibilidade, afetividade e gentileza entre nós, humanos.



9.3.15

O Analisado: Uma Visão Bilateral do Analista-Analisado

Realmente parece simples ouvir ou falar, no teórico, porém na prática é totalmente diferente e difícil. Venho pensando muito sobre essa questão. Afinal, como falar se também desejamos ouvir nosso analista? Saber por menos que seja, algo dele, que seja repartido. Por que só eu devo falar? Talvez muitos vão dizer: a resposta é simples, você quem procura ajuda, e assim quem fala é você. Mas se não for o caso de querer ajuda, e sim de um estudante de psicologia que precisa apenas de supervisão, para manutenção de sua vida psíquica? São perguntas muitas vezes sem respostas, ao menos de imediato.

A realidade é que ficamos curiosos em saber como é a vida de quem nos ouve. Quando assumimos o papel de analisados, ficamos inseguros em falar sobre quem fomos/somos nós. Já que no cotidiano omitimos muito sobre tais características, ou até mesmo respondemos somente o que nos é perguntado. O que é normal, instinto de preservação.

Todavia, quando estamos em terapia, queremos falar ao mesmo tempo em que queremos ouvir. Penso que o ideal analisado é o paciente que vivencia seus sentimentos, seus impulsos e medos em terapia. Numa reflexão mais rasa, serão esses sentimentos que nos ajudará a evoluir nossos estados reprimidos, processando-os e dando corda a novas possibilidades. No entanto, quando aprendemos como usar as ferramentas em terapia, o papel de analisado se torna ainda mais difícil. O sentimento de insegurança se torna ainda mais latente.

Entretanto é importante relembrar que para que o processo terapêutico ocorra de forma harmônica, o analista precisa estar atento a todos os gestos verbais e não verbais. E quando houver necessidade de dar limites ao analisado, que seja com amor. Já dizia Renato Dias Martino, psicoterapeuta contemporâneo.

“Verdade sem amor, resulta em crueldade.”

E também diz “Mas o amor não é um sentimento, é uma capacidade.” Por isso é preciso ser capaz em dizer a verdade com amor, ensinando os limites que devem existir em terapia, para que o processo ocorra de forma sadia.

As experiências que o analisado viveu, será a base para a sua compreensão ao ouvir enquanto analista. Escutar é a ponte que nos leva a sentir, sendo assim, fica mais simples compreendermos a dor do outro quando já nos colocamos em tal posição de sofrimento. Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão menciona em seus ensinamentos uma frase muito própria para o momento: “Experiência sem teoria é cega, e teoria sem experiência é vazia”.


Para compreendermos a posição de analisa-analisado, é essencial que nasça o vínculo confiança. É necessário nutrir um vínculo real e verdadeiro entre analista e paciente, só através desta condição que iremos conseguir ver/ser uma base para a compreensão.

Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise, citou em uma de suas obras: 


“A finalidade de uma análise é recuperar a capacidade de amar”.