31.5.19

O FIM CHEGOU ÀS AVESSAS

Nino Cais
Faz um tempo que nosso amor se transformou na fotografia nunca revelada do seu porta-retrato invisível que ficava na sua cômoda vermelho bordo. O seu quarto era de tom nublado, de uma frieza ímpar, mas de sons aconchegantes quando tu se fazia presente pelo desejo de ser querido. Detestava sua cortina de tom laranja brega, embora era ela que fazia mesclas de tonalidades incomuns daquele cômodo estreito mas proveitoso para nossos encontros amorosos. 

Estávamos sempre em desencontros mesmo que na ralação do amor que nos unia. Era belo mas apavorante como queria ser livre se prendendo as ilusões. As aventuras dos quartos dos hotéis deixavam marcas de excitação e desejo em alcançar o desconhecido que desses encontros se fazia existir. Engraçado é saber que o nosso hotel favorito tinha os tons bregas da cortina do seu quarto, e fazíamos amor pela manhã entrelaçados com a preguiça, com o desejo de permanecer ali mas com a insistência das obrigações do dia que ecoavam em nossos ouvidos. 

O café da manhã me bastava um cafezinho, e você sempre se empanturrava de tudo que o hotel nos oferecia. Não dá pra desperdiçar, você dizia... eu amo comer. Que bom, pensava eu. Não sinto fome, me alimento do nosso amor pela manhã. Mas às 10:00 me abasteço de um pãozinho e mais um café para saborear as lembranças de cada quarto daquele hotel, branco e canta a metrópole interior. Meu interior estará sempre cheio de ti, embora não mais de perto. A vida e minhas palavras às avessas que diziam vá, querendo que você ficasse, fizeram dança e fomos nos afastando. Mas há tanto de mim em você, que me faz lembrar as razões por te amar e te odiar tanto. 

A recepcionista do hotel tropeçou em mim enquanto caminhava solto em recordações pela rua, e me perguntou porque não tinha mais meus encontros com você no hotel. Disse para ela que estamos em desencontros, nos encontrando com novos amores. Ela sorriu, e me disse que a vida é uma loucura, que precisamos aproveitar o que nos faz bem zelando para não nos destruirmos com o fim de tudo que é bom. 

Sorri, e disse preciso ir. E tenho seguido a vida, insistindo, buscando tocar o que me inquieta, embora sempre chegue alguns minutos depois. Lacan estava certo em suas considerações, não há só desencontros com o amor, mas com o que nos faz desejar. Talvez seja a morte o momento de tocar e brincar com a imagem final desse quebra-cabeça.

8.5.19

MÃE IDEAL HEROÍNA NÃO EXISTE


A função materna é um dos papéis mais complexos que uma mulher pode assumir. Deixar cair o ideal nunca foi tarefa fácil para elas, ainda mais em nosso tempo. A problemática é que muitas mulheres defendem esse ideal que não somente elas, mas como seus filhos acabam por adoecer desse delírio coletivo instaurado. Amar, cuidar, zelar e tantas outros significantes são demandas que sufocam a mulher. Antes elas sofriam sem palavras, hoje elas podem fazer melhor com as questões com o ideal, desconstruindo-o com implicações sob suas experiências às voltas desse impossível no limite que a palavra oferece.

A mulher por ser não-toda pode ensinar aos homens o quanto é impossível de alcançar esse ideal que o homem vive a criar para dar sentido à vida. Sentido esse que não suporta tocar o real da realidade. Não há sentido na vida, o que há são possibilidades de significar os significantes que dela tocamos. Uma mãe aprende essa função na experiência com não-todo humano que toca seu ventre, toca seu coração, a sua vida. 

O sujeito sofre por querer alcançar um ideal que jamais poderá, porque sua história de vida e a própria vida implica um avesso ao ideal estabelecido. Os joelhos, cotovelos, testa, nariz e o corpo todo ralado são acasos e surpresas da vida para ensinar sobre o real, sobre o que é verdadeiro diante desse impossível existir. Os acontecimentos não são um impedimento, mas um aviso que a vida exige mais de cada um de nós.

A mãe não sabe que sabe de tudo isso, mas toca esse saber quando deixa cair o impulso de impedir que o filho nasça para o mundo com os tombos da vida. Ela não é uma mãe ideal por assim ser, ela está aprendendo sobre o próprio narcisismo a tocar o próprio mundo e aprender de novo a tocar o mundo do outro de um outro lugar. Lugar esse que jamais terá uma fórmula, receita ou qualquer coisa do gênero, senão pela experiência de estar sendo enquanto toca esse impossível do real: viver a vida.

Um abraço, 
Maicon Jesus Vijarva