26.4.17

SOBRE PULSÃO SEXUAL E VIDA SOCIAL


A pulsão sexual foi a primeira subversão freudiana, citada no artigo MORAL SEXUAL ‘CIVILIZADA’ E DOENÇA NERVOSA MODERNA (1908). Nele, Freud utiliza-se de um elemento fundamental, abordado em sua obra anterior, TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE (1905), para sustentar a distinção conceitual entre instinto e pulsão. Segundo Coutinho (2013), “trata-se da falta de conexão unívoca, na sexualidade humana, entre a pulsão e a atividade reprodutora, que constitui a dimensão essencialmente autoerótica da pulsão”.

O que podemos confirmar em Freud (1908): “perspectivas mais amplas se abrem quando consideramos o fato de que a pulsão sexual do ser humano não está em sua origem a serviço da reprodução, mas sim que tem como meta determinadas variedades de obtenção de prazer”. A realidade contemporânea revela uma sociedade que está vivendo uma época de repressão da pulsão sexual, em que o sujeito sente culpa em investir sua energia sexual em algo que fuja do ideal social, do consumo desorientado.

Ao reprimir o desejo ligado ao cunho sexual – pensemos aqui para além do prazer centrado na área genital –, citado por Freud (1905) em TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE, que descreve o movimento do sujeito para se vincular ao outro se estrutura a partir da pulsão sexual, numa tentativa de desenvolver sua subjetividade em conjunto de +1, ou seja, entre o sujeito e o outro.
Em sua reflexão da teoria da sexualidade, o pai da psicanálise instaura um corte conceitual, nomeado de pulsão, sendo uma concepção dualística de vida e de morte, que sustenta um mecanismo de movimento do sujeito, inato a sua existência. Freud (1920) descreve as pulsões sexuais de forma simples e com uma amplitude atemporal:

As pulsões de vida [leia-se: pulsões sexuais] têm muito mais contato com nossa percepção interna, surgem rompendo a paz e constantemente produzindo tensões cujo alívio é sentido como prazer, ao passo que as pulsões de morte parecem efetuar seu trabalho discretamente. O princípio de prazer parece, na realidade, servir às pulsões de morte (Freud, 1920).

O conceito freudiano nos leva à expansão de que sob o domínio da moral sexual cultural, a saúde e a capacidade vital do indivíduo seriam fragilizadas, e que seus ultrajes, causados pelos constantes sacrifícios a eles impostos, alcançariam um nível tão elevado que comprometeriam todo objetivo cultural final contemporâneo.

Sob esta perspectiva podemos perceber um crescente nervosismo moderno, fruto do desequilíbrio da relação entre a pulsão de vida e de morte, sobre o qual Freud já nos alertava em sua época, e agora, em passo acelerado, torna-se metástase na sociedade contemporânea. Tal circunstância faz antagonismo entre constituição e exigência cultural, causa dos sintomas do sujeito moderno.

A forte oposição de ideias constitui uma estrutura familiar em que todos os membros são doentes dos nervos, a velar o idealismo de ser mais do que podem ser pela sua origem. O desejo de ser robusto ao olhar do outro faz com que o indivíduo patriarca da família cobre dos seus filhos elevar-se a um alto nível cultural. Os desejos recalcados dos pais trazem à consciência a esperança de se realizarem através dos filhos.

Assim, a moderna vida civilizada causa de modo desenfreado uma ansiedade crescente. As exigências feitas à capacidade de luta pela sobrevivência aumentaram sensivelmente, utilizando as duas forças intelectuais, exclusivamente para sustentar essa existência: pulsão de vida, pulsão de morte.

Freud (1906-1909) complementa:

Ao mesmo tempo, as necessidades do indivíduo, as exigências de fruição da vida cresceram em todos os círculos, um luxo inaudito disseminou-se em camadas da população que antes o desconheciam; a ausência da religião, a insatisfação e a cobiça aumentaram em amplos círculos do povo; graças a comunicações, que atingiram crescimento incomensurável, graças às redes de fio do telégrafo e do telefone, que envolvem o mundo, as condições do comercio mudaram inteiramente: tudo se faz com pressa e agitação, a noite é utilizada para viajar, o dia, para os negócios, até mesmo as ‘viagens de lazer’ tornaram-se fadigantes para o sistema nervoso; grandes crises políticas, industriais e financeiras levam sua agitação a esferas da população bem mais amplas; tornou-se generalizada a participação na vida política: lutas políticas, religiosas e sociais, as lidas partidárias, as campanhas eleitorais, o desmesurado aumento das associações inflamam as mentes e obrigam os espíritos a envidar esforços sempre novos; a vida das grandes cidades tornou-se cada fez mais inquieta e refinada.

As investidas esquizofrênicas da sociedade são inúmeras, e levam os nervos exaustos em busca de recuperação em estímulos exacerbados, em prazeres bastante condimentados, entediando e estagnando o sujeito cada vez mais.

Freud (1906-1909) descreve ainda que as pulsões de vida e de morte estão tão intrínsecas no sujeito que o delírio se torna o seu mundo paralelo de refúgio. Tanto que a arte e a literatura moderna se ocupam predominantemente dos mais delicados problemas, que envolvem todas as paixões, que encorajam a sensualidade e a ânsia do prazer, o desprezo de todos os princípios éticos e todos os ideais. Elas apresentam ao espírito do leitor figuras patológicas, problemas psicopático-sexuais, revolucionários e outros mais, nossos ouvidos são estimulados e superexcitados por uma música ministrada em grandes doses, importuna e ruidosa.

A psicanálise faz alusão a uma série de perigos em nossa evolução cultural, e é possível expandir sempre mais a reflexão sobre ela a partir dos conceitos freudianos. São facilmente perceptíveis as estreitas relações que a doença nervosa tem com a vida moderna, como a desenfreada busca por dinheiro e posses e os tremendos progressos na área técnica, que tornaram ilusórios todos os empecilhos temporais e especiais às comunicações.

O modo de vida de inúmeras pessoas “civilizadas” apresenta, na contemporaneidade, uma quantidade de hábitos anti-higiênicos à alma. Tais hábitos fazem com que o sujeito se prive na intensidade dos seus sentimentos e, em alguns casos, perca a sensibilidade e a identificação do símbolo de cada sentimento. A doença dos nervos oferece um desequilíbrio do sujeito, em que os valores perdem o significado, confirma-se o desmerecimento com o próximo, a generosidade a cada dia vai se extinguindo diante do vazio.

Para que o sujeito possa reconhecer alguns sentimentos é imprescindível que seja tocado por emoções que o levem ao corte entre a rigidez externa e interna, para que possa revelar a sua causa, sintomas. São nos momentos mais miseráveis que o sujeito reaprende a valorizar, respeitar e sentir compaixão por si mesmo e pelo outro.

As reflexões aqui são um ensaio de expansão do pensamento, não um saber absoluto. O intuito é transmitir um efeito/causa que desperte o corpo para o movimento do pensar o que não está em harmonia, interna e externa, do sujeito contemporâneo.