A
pulsão sexual foi a primeira subversão freudiana, citada no artigo MORAL SEXUAL
‘CIVILIZADA’ E DOENÇA NERVOSA MODERNA (1908). Nele, Freud utiliza-se de um
elemento fundamental, abordado em sua obra anterior, TRÊS ENSAIOS SOBRE A
TEORIA DA SEXUALIDADE (1905), para sustentar a distinção conceitual entre
instinto e pulsão. Segundo Coutinho (2013), “trata-se da falta de conexão
unívoca, na sexualidade humana, entre a pulsão e a atividade reprodutora, que
constitui a dimensão essencialmente autoerótica da pulsão”.
O
que podemos confirmar em Freud (1908): “perspectivas mais amplas se abrem
quando consideramos o fato de que a pulsão sexual do ser humano não está em sua
origem a serviço da reprodução, mas sim que tem como meta determinadas variedades
de obtenção de prazer”. A
realidade contemporânea revela uma sociedade que está vivendo uma época de
repressão da pulsão sexual, em que o sujeito sente culpa em investir sua
energia sexual em algo que fuja do ideal social, do consumo desorientado.
Ao
reprimir o desejo ligado ao cunho sexual – pensemos aqui para além do prazer
centrado na área genital –, citado por Freud (1905) em TRÊS ENSAIOS SOBRE A
TEORIA DA SEXUALIDADE, que descreve o movimento do sujeito para se vincular ao
outro se estrutura a partir da pulsão sexual, numa tentativa de desenvolver sua
subjetividade em conjunto de +1, ou seja, entre o sujeito e o outro.
Em
sua reflexão da teoria da sexualidade, o pai da psicanálise instaura um corte
conceitual, nomeado de pulsão, sendo uma concepção dualística de vida e de
morte, que sustenta um mecanismo de movimento do sujeito, inato a sua
existência. Freud (1920) descreve as pulsões sexuais de forma simples e com uma
amplitude atemporal:
As pulsões de vida [leia-se: pulsões sexuais] têm
muito mais contato com nossa percepção interna, surgem rompendo a paz e
constantemente produzindo tensões cujo alívio é sentido como prazer, ao passo
que as pulsões de morte parecem efetuar seu trabalho discretamente. O princípio
de prazer parece, na realidade, servir às pulsões de morte (Freud, 1920).
O
conceito freudiano nos leva à expansão de que sob o domínio da moral sexual
cultural, a saúde e a capacidade vital do indivíduo seriam fragilizadas, e que
seus ultrajes, causados pelos constantes sacrifícios a eles impostos,
alcançariam um nível tão elevado que comprometeriam todo objetivo cultural
final contemporâneo.
Sob
esta perspectiva podemos perceber um crescente nervosismo moderno, fruto do
desequilíbrio da relação entre a pulsão de vida e de morte, sobre o qual Freud
já nos alertava em sua época, e agora, em passo acelerado, torna-se metástase
na sociedade contemporânea. Tal circunstância faz antagonismo entre
constituição e exigência cultural, causa dos sintomas do sujeito moderno.
A
forte oposição de ideias constitui uma estrutura familiar em que todos os
membros são doentes dos nervos, a velar o idealismo de ser mais do que podem
ser pela sua origem. O desejo de ser robusto ao olhar do outro faz com que o
indivíduo patriarca da família cobre dos seus filhos elevar-se a um alto nível
cultural. Os desejos recalcados dos pais trazem à consciência a esperança de se
realizarem através dos filhos.
Assim,
a moderna vida civilizada causa de modo desenfreado uma ansiedade crescente. As
exigências feitas à capacidade de luta pela sobrevivência aumentaram sensivelmente,
utilizando as duas forças intelectuais, exclusivamente para sustentar essa
existência: pulsão de vida, pulsão de morte.
Freud
(1906-1909) complementa:
Ao mesmo tempo, as necessidades do indivíduo, as
exigências de fruição da vida cresceram em todos os círculos, um luxo inaudito
disseminou-se em camadas da população que antes o desconheciam; a ausência da
religião, a insatisfação e a cobiça aumentaram em amplos círculos do povo;
graças a comunicações, que atingiram crescimento incomensurável, graças às
redes de fio do telégrafo e do telefone, que envolvem o mundo, as condições do
comercio mudaram inteiramente: tudo se faz com pressa e agitação, a noite é
utilizada para viajar, o dia, para os negócios, até mesmo as ‘viagens de lazer’
tornaram-se fadigantes para o sistema nervoso; grandes crises políticas,
industriais e financeiras levam sua agitação a esferas da população bem mais
amplas; tornou-se generalizada a participação na vida política: lutas
políticas, religiosas e sociais, as lidas partidárias, as campanhas eleitorais,
o desmesurado aumento das associações inflamam as mentes e obrigam os espíritos
a envidar esforços sempre novos; a vida das grandes cidades tornou-se cada fez
mais inquieta e refinada.
As
investidas esquizofrênicas da sociedade são inúmeras, e levam os nervos
exaustos em busca de recuperação em estímulos exacerbados, em prazeres bastante
condimentados, entediando e estagnando o sujeito cada vez mais.
Freud
(1906-1909) descreve ainda que as pulsões de vida e de morte estão tão
intrínsecas no sujeito que o delírio se torna o seu mundo paralelo de refúgio.
Tanto que a arte e a literatura moderna se ocupam predominantemente dos mais
delicados problemas, que envolvem todas as paixões, que encorajam a
sensualidade e a ânsia do prazer, o desprezo de todos os princípios éticos e
todos os ideais. Elas apresentam ao espírito do leitor figuras patológicas,
problemas psicopático-sexuais, revolucionários e outros mais, nossos ouvidos
são estimulados e superexcitados por uma música ministrada em grandes doses,
importuna e ruidosa.
A
psicanálise faz alusão a uma série de perigos em nossa evolução cultural, e é
possível expandir sempre mais a reflexão sobre ela a partir dos conceitos
freudianos. São facilmente perceptíveis as estreitas relações que a doença
nervosa tem com a vida moderna, como a desenfreada busca por dinheiro e posses
e os tremendos progressos na área técnica, que tornaram ilusórios todos os empecilhos
temporais e especiais às comunicações.
O
modo de vida de inúmeras pessoas “civilizadas” apresenta, na contemporaneidade,
uma quantidade de hábitos anti-higiênicos à alma. Tais hábitos fazem com que o
sujeito se prive na intensidade dos seus sentimentos e, em alguns casos, perca
a sensibilidade e a identificação do símbolo de cada sentimento. A doença dos
nervos oferece um desequilíbrio do sujeito, em que os valores perdem o
significado, confirma-se o desmerecimento com o próximo, a generosidade a cada
dia vai se extinguindo diante do vazio.
Para
que o sujeito possa reconhecer alguns sentimentos é imprescindível que seja
tocado por emoções que o levem ao corte entre a rigidez externa e interna, para
que possa revelar a sua causa, sintomas. São nos momentos mais miseráveis que o
sujeito reaprende a valorizar, respeitar e sentir compaixão por si mesmo e pelo
outro.
As
reflexões aqui são um ensaio de expansão do pensamento, não um saber absoluto.
O intuito é transmitir um efeito/causa que desperte o corpo para o movimento do
pensar o que não está em harmonia, interna e externa, do sujeito contemporâneo.