A
relação do indivíduo com seu mundo interno e externo pode ser examinada na
qualidade e característica das relações constituídas ao longo da vida. As relações
primárias estabelecidas com objeto se dão no grau corporal: cuidados, alimentação,
toque na pele do bebê, reconhecimento do ambiente. A criança faz, inicialmente,
o reconhecimento de seu mundo através do físico – corpo, edificando a partir
dele seu universo interno em relação com universo e os objetos externos,
posteriormente internalizados. Freud (1923/1976) acentua que o ego é, principal
e acima de tudo, um ego corporal, não sendo meramente uma entidade de
superfície, mas, ele próprio, a projeção de uma superfície.
A
forma como se dá a estruturação do ego tem o corpo como veículo e se dá pelo
contato com o outro, que ocorre, em primeiro lugar, pela pele. A qualidade das
relações é o que, na maior parte das vezes, produz um certo tipo de sofrimento
às pessoas. O impacto dessas relações acontece num primeiro momento em nível
psíquico, das construções internas, através das relações objetais. Já num
segundo momento, podem estender-se no campo somático, quando não elaboradas no
plano psíquico, esses aspectos são nomeados de eclosões psicossomáticas, quando
a vivência dos afetos pode ser tão desagregadora que exceda a elaboração psíquica,
afirma McDougall (1978/1989).
No
curso das relações, objetos internos são representações intrapsíquicas das
relações com o outro. Nesse andamento, essas relações objetais acontecem na
internalização do objeto e suas qualidades, e a internalização é um processo
fundamental para o desenvolvimento da estrutura psíquica, já que é por meio
dessa que o sujeito vai assumindo gradualmente as funções originalmente
supridas por outros.
Tais
relações, ou, mais que isso, o formato como são patenteadas pode apresentar
como consequência o adoecimento orgânico e/ou psicossomático, especialmente nas
questões referentes ao adoecimento de pele, compreendida como órgão de relação,
limite entre o eu e o outro – mundo interno e mundo externo. Para melhor
compreensão, partiremos para as considerações pertinentes ao universo da clínica
do vazio, quadro clínico alcunhado por Green (1988) através de um de
seus ensaios titulado Complexo da Mãe Morta, de acordo com Teixeira (2009), no
contexto amplo de sua obra, inserem-se na “significação clínica e
metapsicológica do vazio” (Green,
1988, p. 267).
As reflexões e elaborações ao que se alude ao Complexo da
Mãe Morta, relacionam-se à problemática do luto, o que resulta num traço
marcante nas análises contemporâneas, o alusivo diagnóstico da psicanálise
contemporânea, de acordo com GREEN (1988).
Outro importante concernente teórico constante nas obras de Green (1990)
e que também integram à psicanálise contemporânea, trata-se das discussões
acerca das relações objetais e o seu caráter cerne do psiquismo humano.
No início dos anos 1980, uma série de artigos, compõem a
coletânea Narcisismo de vida, narcisismo
de morte (1988) e em De loucura privadas (publicado primeiro
em inglês em 1986, depois em francês em 1990 em uma versão diferente e ampliada
com o subtítulo “Psicanálise dos Casos-limites”). De acordo com Urribarri
(2010):
“Desenvolve e consolida uma concepção original do
funcionamento, e do tratamento, dos casos limítrofes, dando conta de uma
profunda transformação do campo analítico. As classificações psicopatológicas estão subordinadas à consideração da
analisabilidade (e dos seus limites). E a própria analisabilidade já não
depende tanto do diagnóstico do paciente, mas também das características e
possibilidades singulares de cada par analítico, da relação entre um
determinado paciente e um determinado psicanalista. Consequentemente, a
“loucura privada” é definida na relação analítica, expressando-se nos
movimentos de transferência e contratransferência, conforme a singularidade do
campo e do processo” (URRIBARRI, 2010, P.15).
Em seu estudo sobre
as teorias greenianas, (Urribarri, 2010, p.15) retrata que “no artigo
programático “Paixões e destino das paixões” Green (1981), distingue a loucura
da psicose (e também do “núcleo
psicótico” próprio do modelo anglo-saxão) pelo papel central das pulsões (e das
fantasias) sexuais arcaicas. A ideia no artigo mencionado, propõe-se um “mito etiológico” que segundo
Urribarri (2010):
“Visa explicar a origem do duplo conflito limítrofe,
narcísico, do Eu com as pulsões do Id e as pulsões do objeto. Em um esforço de
elucidação dos casos limítrofes, “O duplo limite” (1982) propõe um modelo que
conjuga a consideração de uma tópica ampliada (intra e intersubjetiva) e dos
efeitos dinâmicos do “objeto-trauma” (ao mesmo tempo sexual e narcísico) no
enquadre” (URRIBARRI, 2010, P.15).
A elaboração teórica em torno do trabalho do negativo, na
obra de Green (1988), dá luz ao seu esboço, claramente elucidado no ensaio
titulado A mãe morta. No artigo de
Freud A negativa (1925), Teixeira
(2009), relata que Green (1990) assegura:
“Que mais me faz refletir, em minha
prática analítica e em minha elaboração teórica”. E são justamente as reflexões
daí advindas que levam Green (1990) a concluir, em sua concepção acerca do
trabalho do negativo, que este diz respeito às “diversas formas de dizer não”.
E acrescenta: “reprimir, negar, ignorar – tudo isso faz parte de nossos
mecanismos de sobrevivência psíquica”, o que confere ao trabalho do negativo o
caráter de operação essencial não somente para a estruturação do psiquismo como
também para a própria sobrevivência do sujeito humano, sujeito social e
cultural: “o que caracteriza o homem é precisamente a negatividade”, afirma
(TEIXEIRA, 2009 apud GREEN, 1990, p.79 – p.101).
Sob esse aspecto, o insucesso do trabalho do negativo
alicerça os quadros clínicos que Green (1990) engloba nos estados-limites. Sua
marca essencial, segundo (Teixeira, 2009, p. 17) “refere-se à carência ou
insuficiência do estabelecimento dos limites do psiquismo – dentro/fora,
eu/outro, subjetivo/objetivo. Desse modo, a clínica do vazio, em essência, o
Complexo da mãe morta, faz alusão ao entendimento de que “no contexto do luto,
a questão do objeto se articula à da negatividade” (Figueiredo e Cintra, 2004,
p. 14). Em consensual, significa que o objeto, imaginado positivo, perde essa
positividade, destitui-se de seu caráter estruturante torna-se “o objeto perdido,
o que morre ou decepciona” (TEIXEIRA, 2009, P. 17).
É importante enfatizar que a compreensão das relações
objetais se associa, ao conceito de pulsão, para Green (1990) é o revelador da
pulsão. Isso denota que a pulsão prende, ligando o sujeito ao objeto. Para
compreensão, Teixeira (2009), explica que este, por sua vez, e mais
essencialmente sua falta, compõem o fator revelador da pulsão, que segundo (GREEN,
1990, p. 71) “a pulsão satisfeita quase não se faz sentir”. Em consonância.
Entretanto, Green (1990) aponta o caráter paradoxal do objeto: destina-se, ao
mesmo tempo, a despertar – estimular – a pulsão e a conter a pulsão. Também é a
expressão do conceito winnicottiano, conhecido por holding. Entendimento que manifesta Figueiredo (2007), afirmando
que:
“As relações entre os objetos e as
pulsões não são apenas complementares: são igualmente conflituosas, pois “é da
dialética entre pulsão e objeto que o psiquismo nasce” (TEIXEIRA, 2009 APUD
FIGUEIREDO, 2007, P. 483).
Quando essa função paradoxal e estruturante falha, Green
(1993) apresenta uma junção do objeto à pulsão: uma espécie de fixador que atém
um ao outro. Emana deste, o caráter intolerável da pulsão, tornando o objeto em
demasia intrusivo, Teixeira (2009) acentua que sua presença sobrevém a ser intolerável,
devido ao fracasso do trabalho de negação do objeto. A partir desta
perspectiva, o recalcamento não se faz atuante; em seu lugar incide a cisão
intrapsíquica, que interfere no pensamento, representação e simbolização.
Em epítome, a clínica do vazio se diferencia pela
combinação, miscigenação de desinvestimento, destrutividade, fusão e
identificação com o objeto, devastado pela separação. De acordo com Teixeira
(2009) o desintricamento pulsional, que possibilita o trabalho da pulsão de
morte, induz para Green (1988):
“O Eu a desfazer sua unidade para tender ao zero. Isto se manifesta
clinicamente pelo sentimento de vazio”, que é resultado, em última análise, de
“uma ferida narcisista com desperdício libidinal” (GREEN, 1988, P. 267).
Para entendimento, (Urribarri,
2010, p.17) descreve que a teorização do “narcisismo negativo (ou de morte)”
visa elucidar conceitualmente e orientar tecnicamente a clínica do que nomeia
“série branca”: “correspondente à alucinação negativa, a o luto branco, ao
sentimento de vazio, cridos como resultantes de um desinvestimento massivo e
temporário do objeto primário – expressão da destrutividade da pulsão de morte
–, que afetou a estrutura do narcisismo primário e que deixou marcas no
inconsciente sob a forma de buracos psíquicos” (Green, 1983). E acrescenta “as descrições kleinianas do ódio
e a eventual reparação do objeto são postuladas como posteriores ou secundárias
em relação ao trauma narcísico primário” (URRIBARRI, 2010, P.15).
Importante trazer à baila, Winnicott (1979/1983), grande
parte de suas contribuições descrevem a luta constante do self entre uma
existência individual, mas que ao mesmo tempo permita o estabelecimento de
intimidade por meio da proximidade com um outro. Essa possibilidade emana das relações
objetais primárias estabelecidas entre o bebê e sua mãe, ou figura cuidadora. Winnicott
(1971/1975) compreende a ausência da mãe como a única forma crível de união a
um outro distinto. Questiona como, então, se dá o processo de a criança
descobrir-se dentro dos cuidados de sua mãe sem perder-se nela. Nessa perceptiva
é possível salientar que a mãe tem de dispor de recursos internos e ambientais
para cumprir sua função de cuidado, tolerando tal diferenciação.
O conceito de unidade mãe-bebê é cunhado por Winnicott, a
partir de suas experiências na observação da relação mãe e criança, e afirma
que o ponto de referência de estudo não são os processos que acontecem apenas
dentro do universo interno da criança, mas no campo relacional entre a criança
e o universo externo – cuidador. Por esse motivo, Winnicott (1979/1983)
estabelece as relações objetais em um plano separado dos processos instintivos.
Para o autor, as relações objetais primárias são interações
entre as necessidades de desenvolvimentos da criança e os cuidados maternos oferecidos
pela figura materna ou cuidadora, inteiramente independentes de satisfação
pulsional. O bebê necessita dos cuidados maternos – a mãe suficientemente boa –,
o que inclui um ambiente de sustentação à díade. Para Winnicott, o self surge e é estruturado por meio de
experiências relacionais com os cuidados maternos específicos. Passa a existir a
partir desse momento, a função de holding
materno, que concretiza as necessidades físicas e afetivas do bebê, originando
a continência de seus impulsos agressivos.
Importante lembrar que nesse estágio inicial o bebê
encontra-se em conjuntura fusional com a mãe, incapaz de distinguir objetos
internos (que estão sendo introjetados) de objetos externos (ainda não reconhecidos
como tal). É um processo de modo relacional eminente, que se produz através da
relação e da elaboração de experiências inerentes à existência. Através desses
contatos e da qualidade destes, começa a se fundar o que Winnicott nomeou de sentimento de ego, que leva o lactente
ao que se pode chamar de estado unitário. Faz-se notório que a pele tem uma
função respeitável na formação da imagem física, do mesmo modo no sentimento de
integração da criança e na constituição de seu ego, sendo a pele um meio sobre
o qual se apoia o sentimento de ego.
Quando o processo mencionado anteriormente por Winnicott
falha, trazem a superfície marcas traumáticas, que podem ser vivenciadas na relação
primária da criança com uma mãe depressiva. Essa relação desprovida de afeto materno é
representado como a falta de interesse da figura materna em relação à criança,
remetendo ulteriormente, na sensação de perda de sentido, apatia e identificação
inconsciente com o estado da melancolia, sugerido por FREUD (1921).