9.8.15

O Transtorno Alimentar e a Visão Psicanalítica



Frequentemente, o paciente chega ao terapeuta, repleto de angústia e sintomas, para os quais não tem descrições.  A situação inicial não é clara nem para o terapeuta, nem para o paciente, que se sente neste período, no mais profundo caos e escuridão, por não conseguir expressar em palavras, as experiências repletas de sentimentos penosos que vem vivendo.

De acordo com W.R. Bion, caracteriza o “conteúdo”, este sentimento, projetado pelo paciente, para dentro do terapeuta, passa a ser representado como “continente”, uma vez que o terapeuta seja suficientemente acolhedor para que o paciente exponha todo seu caos.

A partir desta dinâmica, o terapeuta conhecedor deste mecanismo de conteúdo e continente, desenvolverá compreensão ao receber o paciente, uma vez que saberá interpretar as suas agonias, sendo muitas delas intensas, as quais necessitam encontrar, no terapeuta, a “continência” necessária para reconhecer seu estado de pavor e acolhê-lo; e também de sentir equilibrado para dar continuidade, ajudando o paciente por longo prazo.

A busca pela equipe médica, pelo paciente, é o momento de extrema fragilidade mental, que observada mais minuciosamente, oculta um estado de “terror sem nome”, ante o qual, o paciente se defende, através de defesas muito primitivas, descritas por Melanie Klein, psicanalista europeia, em 1946, em 5 fases:

CISÃO

O paciente chega com a mente dividida em bom e mau. Desta forma, sem condição interna de perceber os bons aspectos lado a lado com os aspectos frustrantes. Julgará a tudo e a todos de forma estanque.

Exemplo:

Ou o terapeuta é lindo, bom e eficiente quando “agrada” o paciente ou é mau e tenebroso, ao frustrá-lo. Há uma intolerância acentuada às frustrações nestes pacientes.

IDEALIZAÇÃO

É típico encontrar uma idealização – ampliação dos aspectos positivos – dos bons aspectos.

Exemplo:

O bom terapeuta é visto como perfeito. Mas, para que isto seja possível é necessário que outra defesa entre em funcionalidade: a negação.

NEGAÇÃO

Corresponde à fantasia de aniquilar aqueles aspectos que são frustrantes e intoleráveis para a mente. Dessa forma, a idealização aumenta espetacularmente os bons aspectos.

Exemplo:

O paciente nega o aspecto frustrante do terapeuta e do trabalho desempenhado, e assim, “constrói” um terapeuta perfeito, via idealização.

IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA

O paciente com TA usa maciçamente a identificação projetiva anormal, quando “evacua” seu desamparo dentro do terapeuta, para obtenção de alivio imediato.

TRIUNFO

Caso o paciente não se sinta “acolhido” nos seus conteúdos mais desesperadores como, por exemplo, sentir que não pode contar com o terapeuta de forma onipotente, passará a desprezá-lo e tentará negar o vínculo de dependência com o mesmo, mostrando-se “independente” e triunfante sobre os esforços terapeutas. Essa defesa é vinculada à onipotência.

Todas essas defesas conferem ao paciente um carácter onipotente e frágil ao mesmo tempo, e não raro, exibindo comportamento auto e hetero-agressivo, dentro de um vinculo extremamente frágil com o terapeuta, pouco tolerante às frustrações inerentes ao tratamento proposto.


A partir desta reflexão, a prática psicanalítica com um paciente dessa desordem, segundo o Escritor e Psicoterapeuta Renato Dias Martino:

Encontra-se na tarefa de reconstruir o ideal do corpo, ou seja, o que se pretende como forma estética física ideal. Entretanto, penso que a questão está bem mais profundamente implicada, do que na superfície do ser humano, onde se encontra o corpo físico. Não é novidade alguma que a alimentação é uma das formas mais primitivas de contato, aproximação e vínculo entre os animais mamíferos e sobre tudo o ser humano. Na relação mãe-bebê, o contato feito a partir da amamentação é sem duvida o ponto de partida do contato da nova vida que nasce com o mundo externo.
As relações entre o terapeuta e o paciente devem seguir o modelo de Bion, conteúdo e continente, levando em conta que, o paciente, não consegue acolher suas frustrações de forma adequada, uma vez que não pode experimentar o mesmo sabor de ser acolhido, assim dificultara de forma inconsciente o tratamento e a relação entre paciente e psicoterapeuta. Se o psicoterapeuta conseguir ser o continente suficientemente bom para o paciente, certamente haverá uma aceitação das verdades experimentadas com amor dentro do set-terapêutico; em que o paciente será preparado para ver a si mesmo, junto ao terapeuta.



REFERÊNCIAS
_Maria Auxiliadora Borges dos Santos – O cuidado com à equipe multidisciplinar (2006)
http://www.fmrp.usp.br/revista/2006/vol39n3/15_cuidado_equipe_multidisciplinar.pdf
_Renato Dias Martino – Funcionamento Alimentar, 2011