31.8.14

OS CONTOS DE FADAS FACE À USUALIDADE DO QUOTIDIANO: O PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO DO EU FRENTE À PSICANÁLISE


EM ANÁLISE NÃO SE PROPÕE MUITOS ADEREÇOS À CRIANÇA, o ideal é aguardar as suas projeções frente ao analista. Quando esta fantasia transcorre no real, possibilita que a análise ocorra de forma evolutiva. O que recorda um de meus textos, onde reflito que a análise só sobrevém a partir das possibilidades do paciente em manifestar suas queixas de forma figurada, usando atributos de linguagem em que se mistura o verbal com o não verbal no set-terapêutico. A espontaneidade à luz da Psicanálise.

O analisando a partir desta sintonia entre a fantasia e o real, consegue transcrever para realidade os seus sentimentos ocultos – inconsciente –, mas de forma muito sintética. Chamamos esse período de sedimentado, pois traz informações rasas, no entanto importantes para o sujeito, para que se sinta seguro de si mesmo, e então aparecer para o analista, evidenciando de forma degrade o seu eu ideal – o que ele é –, trazendo à tona seus sentimentos incubados.

Neste texto refletiremos juntos alguns ensaios sobre os contos de fadas a partir dos estudos do aparato da Psicanálise, no qual trazem contribuição para compreensão do desenvolvimento da estruturação do Ego, id e superego, desde os primórdios da infância até a vida adulta. Os ensaios aqui narrados nada mais são do que uma forma de pensar as complexidades da mente humana frente aos enfrentamentos e habilidades adquiridas pelo sujeito devido às necessidades do mundo externo, com a intensão de suprir as lacunas do mundo interno.

As observações da psicanálise ao decorrer dos anos pós-freudiana, na qual podemos evidenciar de Psicanálise psicodinâmica, mediante muitas contribuições enriquecedoras que ocorreram, ensinam-nos que, mesmo nos seus mais tenros anos, as crianças experimentam não apenas impulsos sexuais e compulsivas crises de ansiedade (será que podemos dar essa nomenclatura?), como também grandes desapontamentos: questionamentos sobre si mesma e o mundo.

Em concordância com Freud, História de uma neurose infantil [“O homem dos lobos”] –  (1917-1920):

A análise que realizamos na própria criança (...) parecerá em princípio mais confiável, mas não pode ser muito rica de conteúdo; é preciso emprestar à criança muitas palavras e pensamentos, e mesmo assim as camadas mais profundas serão talvez impenetráveis para a consciência. (pág. 16)


O autor propõe refletirmos, que para a criança é mais fácil se utilizar de ferramentas numa linguagem de fantasia, para descrever seus conflitos internos, no qual não consegue sintetizar verbalmente de forma clara para o adulto. Assim emprega personagens muitas vezes dos contos de fadas, para expor no mundo externo essa dualidade de sentimentos que ela mesma não compreende perfeitamente.

Na contemporaneidade, bem como no passado, a tarefa mais ideal e também mais complexa para os pais – cuidadores – na criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significados na vida. Muitas experiências de evolução são necessárias para que a criança chegue ao nível de maduração, na busca de seus significados no mundo: interno ou externo. Essa busca e experiência devem ser acompanhadas junto aos pais – cuidadores.

Bruno Bettelheim autor do livro "A Psicanálise dos Contos de Fadas", 2011, nos leva a refletir o imaginário dos contos de fadas no quotidiano, escreve que:

A criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a se entender melhor; com isso, torna-se mais capaz de entender os outros e, eventualmente, pode se relacionar com eles de forma mutuamente satisfatória e significativa. (pág. 10)

Segundo o autor, as experiências acompanhadas pelos seus educadores – pais e/ou cuidadores –, devem ser o primordial para sua adequação no mundo interno e posteriormente no externo. No processo de aprendizagem/experiência, a compreensão da criança na cisão a respeito do bem e do mal será de grande valia, visto que caso ela não compreenda essas duas potencialidades que são parte de si, poderá buscar de forma psicótica e/ou neurótica, em instituições que irão perturbar ainda mais seu aparelho psíquico.

A partir desta perspectiva, os contos de fadas são para criança histórias muitas vezes de teor dramático que, por sua vez, contribuem para que a criança, de alguma forma, possa imaginar-se como o personagem que esteja, no conto, vivenciando aspectos muito próximos à sua vivencia. Como podemos ver, quando a criança elege um personagem que a represente no conto – ocorre a identificação –, o que era imaginação passa para o processo de simbolização no real e, assim, cria-se um vínculo entre a criança – indivíduo real – e o personagem do conto imaginário. 

De acordo com Bruno Bettelheim, ainda em seu livro A psicanálise dos contos de fadas, discorre:

Para não ficar à mercê dos acasos da vida, devemos desenvolver nossos recursos íntimos, de modo a que nossas emoções, imaginação e intelecto se ajudem e se enriqueçam mutuamente. (pág. 10)

Bem sabemos que, diferente das crianças, os adultos de alguma maneira conseguem expressar seus sentimentos dolorosos – internos – a alguém ou canalizá-los em algo, através do afeto, ou agressividade, que para criança seria muito árduo, sem algum efeito saudável para seu psíquico, por não ter elementos suficientes para lidar com a frustração.  

Ou seja, para criança esse processo ocorre com certa dificuldade, por ainda estar adquirindo referências para a estruturação do seu eu ideal (Eu – Ego), ela então não consegue encontrar significados, para expressar através da linguagem verbal – fala; ou em atitudes que exijam clareza e, assim, evidenciar sua insatisfação com si mesma e com o Outro, externo.

A criança encontra esse tipo de significado nos contos de fadas. Como muitas outras percepções psicológicas modernas, esta foi antecipada pelos poetas. O poeta alemão Schiller escreveu:
Há um significado mais profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina. (pág.12, Bettelheim)

Em “Ensaios sobre teoria das posições”, texto publicado neste blog em junho 02, 2012. Melanie Klein nos propõe pensar sobre:

Os processos primários e secundários da psique existem desde o início da vida do bebê, ou seja, desde o útero. Existe, também, sensata tendência à integração, dizemos que – Eros é o influenciador neste aspecto, e Thânatos é o mestre em influenciar a desintegração. O bebê em sua imaturidade não pode distinguir tal diferença entre ambos dentro do processo psíquico do humano.

A autora propõe um inconsciente primitivo do bebê, (aqui refletido sob a visão em torno da criança) representado por objetos parciais e descrevendo-o como a posição esquizo-paranóide, de tal maneira que, na satisfação às frustrações, o bebê integrar-se-ia a estas partes em um objeto total, vivenciado o que Klein nomeou de posição depressiva. A posição esquizo-paranóide tem início do nascimento até por volta dos seis meses de idade, o desenvolvimento do Eu é determinado pelos processos de introjeção e projeção.

Entendemos que, a primeira relação objetal do bebê ocorre com o que Klein chamou de seio bom e mau. Ou seja, o conto de fadas já começa a ser evidenciado na vida do sujeito logo nos primeiros contatos com o mundo interno e externo, este que ainda se faz extremamente ligado com o corpo da mãe, bebê-mãe são mesma pessoa. Mantendo esta linha de pensamento, é possível notar que os impulsos destrutivos e a angústia persecutória encontram-se no seu clímax, igualmente como os processos de divisão, onipotência, idealização, negação e controle dos objetos internos e externos.

O que proponho é de pensarmos sobre Mãe-Bebê, quanto ao conceito de Eros e Thânatos. A mãe é uma grande fonte de estudo, nas contribuições tanto de Eros quanto de Thânatos no processo de desenvolvimento do Bebê, em sua contribuição de integração – Eros –, e desintegração – Thânatos.  

Bem como sabemos, segundo Wilfred R. Bion (1897 – 1979): a mãe é o continente que oferecerá forma àquilo que é o bebê, que chamaremos de conteúdo. 


No desenvolvimento, é proposta uma constância, já que o bebê está todo desordenado, é a mãe que apresentará o norte à vida do bebê, ensinado a hora de mamar, brincar e dormir. Havendo ausência desse aconchego, e atenção da mãe na tenra infância, a criança, consequentemente, terá algumas dificuldades em lidar com esta falta na fase adulta.


Ao pensarmos sobre toda essa reflexão, é manifesto que os contos de fadas são tão necessários para criança em seu processo de descobrimento de si mesma e do mundo, por ir além da imaginação, podem assim, a partir do simbolismo do personagem, àquele no qual ela elege para representá-la, possa de alguma maneira ajudá-la a lidar com seus conflitos internos e externos. Lembrando que, o auxílio dos pais – cuidadores são de extrema importância no desenvolvimento dessa capacidade de simbolização e elaboração de experiências.

Em suma, deixo a última reflexão de Bettelheim:

Nossos sentimentos positivos nos dão força para desenvolver nossa racionalidade; só a esperança no futuro pode sustentar-nos nas adversidades com que inevitavelmente nos deparamos. (pág. 10)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, SIGMUND, 1856-1939. História de uma neurose infantil [“O homem dos lobos”]: além do principio do prazer e outros textos (1917-1920) / Sigmund Freud; tradutor e notas Paulo César de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

BETTELHEIM, BRUNO, 1903-1990. A psicanálise dos contos de fadas / BRUNO BETTELHEIM; tradução de Arlene Caetano – São Paulo: Paz e Terra, 2007. 21ª edição revista.

A CURA DE FREUD, Ensaios sobre teoria das posições, 2012 Link: (http://acuradefreud.blogspot.com.br/2012/06/ensaios-sobre-teoria-das-posicoes.html­).


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